quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

RESENHA DE LIVRO CITADO PELO PROFESSOR NA 2ª AULA DA DISCIPLINA

Resenha do livro:

CEVASCO, Maria Eliza. As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo:Boitempo Editorial, 2003.

Resenha por: Bruno Adriano R. da Silva


Nesta obra a autora nos propõe uma viagem sobre a construção histórica dosestudos culturais, originários da critica a uma concepção doutrinária do conceito de cultura.Apontado enquanto uma disciplina que traria á tona a marginalidade dos “de baixo” osestudos culturais emergem de uma conjuntura ligada a tradicional critica estruturante daesquerda e do conservadorismo da sociologia inglesa postulados, como um “espectro” quetraria para o debate uma diferenciada forma de se conceber a critica cultural. Oriundo dedebates realizados no seio da classe trabalhadora, através da WEA (Worker’s EducationalAssociation), os estudos culturais, na figura de E. P. Thompson, Richard Hoggart eRaymond Williams, apresentam um entendimento que transcende as discussões até entãotravadas no interior da critica cultural, para eles a diferenciação se dava justamente no atode se questionar as formulações existentes sobre o papel da cultura no âmbito da sociedademoderna. Apontavam que esta dimensão da vida seria um privilegiado palco de disputas etensões e mais, de afirmação dos valores e significados existentes na produção dostrabalhadores. Assim questionavam os valores de definição da alta cultura e questionavamo paradoxo existente entre civilização e cultura.Por toda essa dimensão política existente na história de formação dos estudosculturais, Maria Eliza Cevasco, de modo bastante didático, nos coloca diante destadisciplina a partir de dez lições básicas, dez apontamentos sobre a origem, odesenvolvimento e os atuais embates travados no âmbito desta disciplina, desde suaaparição em meados do século passado na Inglaterra, passando pela sua migração para osEstados Unidos e chegando a sua relação com o Brasil.Na primeira lição o apontamento inicial, que nos é apresentado é o do sentidohistórico do conceito de cultura. Muito diferente do que até então era propagado pelacritica cultural inglesa, a autora nos demonstra como ao longo da criação dos estudosculturais esse preceito metodológico é introduzido no interior do debate. Tendo comomarco a obra de Raymond Williams “Culture and Society, 1780 – 1950” os estudosculturais marcam um novo entendimento para a expressão cultura e sociedade, agora nãomais encapsulada por uma compreensão mecânica desta relação, mas sim apresentada porum olhar que privilegia as modificações ocorridas no modo de produção, uma nova ordemdo sistema capitalista no séc. XVIII na Inglaterra. Williams critica a compreensãoconservadora de se olhar à cultura sob as lentes da humanização, da cultura enquantoapreensão somente de modos de vida, de valores, entendida como um “cimento social”.Vai nos dizer, ao contrário que este campo é um privilegiado espaço de compreensãocritica da sociedade, de questionamento sobre o papel da alta cultura, de quem a produz, enesse caminho vai nos propor uma cultura em comum. Um entendimento que mais do quevalorizar a produção do homem traz a tona à diferenciação hierárquica presente no interiordo modo de produção capitalista expondo uma concepção materialista da cultura nosdizendo que a definição de cultura passa por entendimento histórico do modo de produção.Posteriormente, na segunda lição a autora busca investigar as formas criticas deinterpretação da literatura inglesa que embalaram a configuração dos estudos culturais.Ainda carente de uma profundidade metodológica onde as bases da critica estivessemexplicitas, os apontamentos trazidos por F. R. Leavis, critico literário e oriundo da classe
baixa inglesa, começam a apontar um papel militante para a literatura trazendo mais sobrea expressão dos problemas sociais ingleses do que somente sobre apreensão da elite. Ouseja, uma linguagem critica da realidade do mundo inglês capitalista através da literatura,algo que posteriormente configurou-se como o preceito central dos estudos culturais, algoalém da manutenção do status quo.Na terceira lição torna-se mais evidente a guinada apontada pela tradição dosestudos culturais. Confrontam-se duas categorias formuladoras do entendimento de cultura,a Cultura de Minoria – tradicional da formação cultural inglesa – e a cultura em comum –opositora de uma visão elitista de cultura. Nessa composição os apontamentos são datadosa partir das modificações existentes no modo de produção. Williams nos diz, emcontrapartida a visão redentora da cultura de minoria onde poucos detêm a “Luz” eprecisam iluminar os desprovidos, que sua proposição de uma cultura em comum passapela compreensão da produção humana, de uma forma de vida, da organização social, oque necessariamente a coloca sob o caráter que perpassa toda a formação social, aeconomia e a política. Nesse caso compreende-se a cultura enquanto uma “frente debatalhas” capaz não somente de expor as contradições entre classes, mas também desuperá-la.Nesse sentido, a autora nos coloca diante das bases de formação dos estudosculturais encaminhando que diante da produção existente no âmbito da cultura, e por todosos fatores acima citados, caberia a essa disciplina levar adiante as contribuições deixadaspor Marx e Engels. Fazendo-se valer do Prefácio da “Contribuição da Critica da EconomiaPolítica” a autora nos diz que os formuladores dos estudos culturais apontam que a culturacompreendida no âmago da produção humana, seguindo o desenvolvimento do modo deprodução em seu aspecto globalizado, passa a fazer parte do ideário das lutas sociais.Assim aponta, que no processo educativo, tanto quanto os aspectos econômicos e políticos,a ilustração das contradições, da diferenciação dos interesses de classe, passa a ser o motorque colocaria o plano cultural na ordem do dia, ou seja, a produção dos homens no campoartístico enquanto produto de uma formação sócio-histórica. Um privilegiado espaço deatuação, de ilustração e de apropriação para a classe trabalhadora decorrendo daí opotencial cognitivo presente nos estudos culturais. Para tal, os estudos culturais, mesmoque de forma imprecisa segundo Stuart Hall (In Cevasco, 2003) levando-se emconsideração à realidade multifacetada do pós-guerra, coloca-se no papel de umavanguarda de constituição direta de intelectuais orgânicos a classe trabalhadora quepudessem dar vida às ilustrações do cotidiano, tendo em vista o distanciamento existenteentre a produção acadêmica e a realidade concreta direcionando assim, os estudos dadisciplina para a emergência dos movimentos sociais em tempos de refluxo da organizaçãodos trabalhadores na Inglaterra durante o século passado.Na quinta lição, apontando as influências do balanço político europeu do pós-guerrasobre os estudos culturais, a autora nos demonstra como a organização da “novaesquerda” inglesa trouxe para o centro do debate a emergência da cultura. Cita-se oaumento significativo do acesso ao ensino superior como fermento na formação cultural domarxismo ocidental, mas lembra-se também que diante da produção marxista, marcadapela linearidade do economicismo, o entendimento do “ser social” é separado da“determinação da consciência” o que de certa forma advoga a recusa da cultura enquantoplano estratégico das lutas sociais. A esses intelectuais, vanguarda de um entendimentomais abrangente do marxismo não era possível um afastamento do ideário tradicional dasformas de lutas, mas sim uma aproximação da dimensão cultural enquanto espaço depropaganda e permanentemente ligado a instancias políticas da sociedade.
Para isso, Williams trabalha nessa proximidade com o que ele conceitua dematerialismo cultural, uma aproximação inconteste entre a dimensão cultural e a dimensãoeconômica, uma forma de fazer avançar, como ele mesmo nos diz o legado de Marx. Paraele o entendimento de que somente fazemos história sob as condições que nos são deixadasreabre o debate sobre a natureza da produção humana, o que nesse sentido sob umainterpretação somente abrangente das “condições herdadas” inviabiliza a vontade daprodução material, da produção do homem, ou seja, a cultura. Portando abrange seupensamento diante da necessidade de emancipação dos oprimidos apontandoobjetivamente o campo da cultura enquanto uma possibilidade da noção de hegemoniaapresentada por Gramsci.Nos é apontado que nesta relação entre marxismo e cultura – mesmo com todas astensões existentes entre ambas – o materialismo cultural avança no sentido de dar forma àscondições de subversão dos interesses dominantes veiculados no âmbito da cultura.Apontam-se três formas de estruturação de significados e valores: a dominante, aemergente e a residual, todas essas em constante interação. Recai sobre esta organização oentendimento não linear de base/superestrutura, mas repousa também nessa incorporaçãodo campo da cultura uma extrapolação dos limites sobre essa relação. Nesse caso a autoranão poupa criticas ao denominado pós-marxismo, notadamente ao americano, que noconjunto das apropriações do modo de produção opta por afastamento sistemático daspraticas cotidianas, algo muito caro às origens dos estudos culturais.Avançando em seus apontamentos, na oitava lição a autora analisa o campo deinteração entre os estudos literários e os estudos culturais nos dizendo os avanços e osretrocessos existentes nessa relação, principalmente sob ordem do materialismo cultural eas contribuições deixadas por essa nova forma de se entender o processo cultural,apropriado pela voracidade da industria e compreendido enquanto meios de produção.De forma contemporânea, a autora nos coloca diante dos desafios dos estudosculturais frente estandardização da cultura e a própria apropriação da disciplina pelomercado. Nos diz ela, que mais do que nunca os apontamentos da primeira geração dosestudos culturais traduzem as necessidades de compreensão da cultura enquanto processo enão enquanto um bem naturalizado e inerte como pregam os neoliberais de hoje com o fimda história, ou podemos dizer com o fim da criação humana em sua totalidade.Finalizando, após todos estes apontamentos e toda essa contextualização sobre alocalização histórica dos estudos culturais demonstra-se como, no Brasil, essa disciplinaenraizou-se por um processo semelhante ao inglês. Fruto de uma mesma conjuntura, aburocratização do socialismo real. Os estudos culturais no Brasil buscam dialogar comuma realidade definida pela colonização tardia de nossa sociedade mas igualmentecapitulada pela voracidade da ordem econômica mundial. Nesse aspecto se organizam emtorno da Universidade de São Paulo grupos de estudantes preocupados em dar forma aessas contradições através de movimentos literários, ou seja, a realidade em uma analisemarxista explicada diante da necessidade de letramento de uma sociedade extremamenteestratificada como a nossa. Assim como nos diz a autora, os ensinamentos de Williamsfundados no Brasil por uma casualidade da realidade concreta só encontrariam vozesdiante uma outra forma de se conceber essa realidade."

Fonte:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/30/res01_30.pdf.

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