"Cenas da vida pós-moderna - intelectuais, arte e videocultura na Argentina", Resenha por Isabel Travancas (*)
Dados do livro resenhado:
Título da obra: Cenas da vida pós-moderna - intelectuais, arte e videocultura na Argentina
Nome da autora: Beatriz Sarlo
Editora: UFRJ
Número de páginas: 196
Beatriz Sarlo nasceu em Buenos Aires e é professora de literatura argentina na Universidade de Buenos Aires, tendo já trabalhado sobre literatura popular, história da imprensa, cinema, cultura de massas e o papel dos intelectuais. Já publicou vários livros em seu país. No Brasil, além deste recém lançado, a Edusp editou "Paisagens imaginárias".
Ela é uma intelectual de destaque na Argentina que transita em várias áreas da cultura, trabalhando na vertente dos chamados "estudos culturais", na mesma sintonia do mexicano Néstor Canclini e do norte-americano George Yudice. Antenada com o presente e com a pós-modernidade, Sarlo em Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina apresenta uma série de textos que discutem a transformação da cidade, os shoppings centers, o lugar do mercado, a juventude atual, os videogames, além da arte e do papel dos intelectuais neste começo de século XXI na América Latina.
Mas por que este livro num site de antropologia, uma vez que a autora não é antropóloga, nem discute os temas numa perspectiva antropológica? Quais os diálogos possíveis? Antes de mais nada, Sarlo propõe um debate sobre o papel da cultura de massa e de consumo nos países latino-americanos mergulhados na lógica da globalização e funcionando sob forte influência das leis do mercado. Sua perspectiva de oposição ao neoliberalismo é fruto de uma análise extremamente complexa e atual. Ela não tem medo de dizer o que pensa e tem uma profunda sensibilidade para o "modus vivendi" urbano e pós moderno.
Seu livro é uma coletânea de artigos, divididos em cinco capítulos intitulados: "Abundância e pobreza", "O sonho acordado", "Culturas populares, velhas e novas", "O lugar da arte" e "Intelectuais". Em cada um deles trata de assuntos distintos sempre a partir da experiência argentina. Entretanto, suas reflexões servem para um mapa geográfico bem mais amplo.
No primeiro capítulo, discute a atual padronização das cidades sem "centro", distintas dos modelos clássicos europeus, onde o coração da cidade era o espaço geográfico e simbólico mais importante, local onde se encontravam os monumentos, a vida comercial, os cinemas, os restaurantes, além de luzes, cores e ruídos. Hoje isso mudou com a transferência para o shopping center deste papel de aglutinador de pessoas e serviços dentro de um ambiente artificial e impregnado pela "estética do mercado". E para a autora, os shoppings se definem como espaços desterrritorializados, espaços de não pertencimento. Todos os shopping centers se parecem e são lugares sem orientação e onde o tempo é suspenso. Não se distingue dia e noite e geralmente não há relógios à mostra. Diferentemente do flâneur que se perdia pelas ruas e galerias de Paris, como chama a atenção Walter Benjamin, o freqüentador dos shoppings atuais encontra nele uma vertente da cidade que não vê lá fora: limpa, segura, com serviços e acesso a qualquer hora. Mas para Sarlo este não deve ser pensado como o espaço público, ao contrário, ele representa "o espelho de uma crise do espaço público" (p.22).
Ainda neste capítulo, a intelectual reflete sobre a juventude e os videogames. Sempre lançando um olhar crítico e muitas vezes impiedoso, Sarlo afirma que "a juventude não é uma idade e sim uma estética da vida cotidiana" (p. 36). E os videogames são um espaço predominantemente jovem e masculino. Faz uma descrição sensível das casas de videogames e das relações que se estabelecem no isolamento daquele espaço, um misto de discoteca e bar. Os olhares estão voltados para a tela e dela não se desviam. As máquinas são um conjunto de "temporalidades diversas" no qual as tecnologias de imagem e som se misturam em ritmo frenético e onde as performances são valorizadas. Performances que se definem como boas pela maneira como o jogador lida com o tempo, ou melhor, dribla o tempo. E aqui se pode apontar para uma das ausências na análise da pesquisadora. Sua reflexão é fruto de uma observação sensível, com insights instigantes sobre este universo. Entretanto, faz falta a voz do "outro", do "jogador" de videogame, de seu sentimento e pensamento sobre aquela atividade e aquele espaço. Essa ausência ofusca o brilho de suas percepções tão ricas.
No capítulo dois "O sonho acordado" ela ainda aborda a questão da imagem desde o zapping, a televisão interativa, os programas "ao vivo" até a dimensão politica presente no veículo. Sarlo não é uma adorniana, mas sua crítica da televisão é feroz. A idéia de uma televisão de mercado está na base de sua análise. Televisão que possui uma lógica própria na qual a repetição (em relação ao comercial) e a velocidade constróem uma forma de ver o mundo. A autora afirma inclusive que o zapping é um discurso televisivo que subentende a presença do telespectador, assim como os programas participativos e os reality shows são a maior expressão da chamada "nova televisão". Nela também os programas ao vivo proporcionam aos telespectadores, não a idéia de verossimilhança, mas de que a vida está ali. E no dia a dia da vida moderna, as piadas, as frases, os personagens da televisão asseguram a quem os conhece um pertencimento. Mas Sarlo não se ilude com a idéia de que a partilha de aparelhos de televisão implica no estabelecimento de novos laços entre os indivíduos. Para ela, esta imagem da família não tem veracidade, pois se sabe do enfraquecimento das relações familiares na atualidade. E isso não é por acaso, porque, a seu ver, a televisão precisa de uma sociedade com laços fracos para que ocorra a mimese entre televisão e público. Assim neste contexto uma crítica mais profunda da televisão é banida ou acusada de, entre outras coisas, ultrapassada. Entretanto, ela ressalta que só há um jeito de aprender a ver televisão: vendo-a. E não se pode negar que esse aprendizado é barato, antielitista e nivelador, enfatiza ela.
É no terceiro capítulo "Culturas populares, velhas e novas" que Beatriz Sarlo assume um discurso mais político no qual aponta saídas para a manutenção e acesso às manifestações culturais populares, onde a economia não tenha um papel predominante. Sarlo neste artigo dialoga com autores como Nestor Canclini, Stuart Hall e Jesus Martin-Barbero ao falar em "hibridização", "mestiçagem" e "reciclagem" como termos-chave para analisar as culturas urbanas. Para a pesquisadora as chamadas culturas populares sejam elas camponesas, operárias ou indígenas já não existem mais. E sabe-se o que se perdeu, mas não o que se ganhou com a hegemonia dos meios audiovisuais. Vivemos em sociedade onde a escola se debilitou e a cultura letrada já não hierarquiza as culturas. Há uma homogeneização cultural e o único empecilho é a desigualdade econômica. Somos consumidores universais, mas alguns são só "consumidores imaginários" diz a autora. Para reverter este quadro é necessário que a escola possa utilizar com eficácia as habilidades que seus alunos adquiriram em outros espaços, seja através da velocidade dos videogames ou dos conteúdos oferecidos pela mídia. A pesquisadora não aposta na busca de uma "pureza" hipotética das culturas populares, que na verdade, a seu ver, elas nunca tiveram. O que está em jogo é em que condições se dá a mescla cultural. Por isso, se quisermos criar condições para a livre manifestação dos diferentes níveis culturais de uma sociedade, Sarlo sugere uma "receita": "garantia de um acesso democrático aos armazéns onde estão guardadas as ferramentas; forte escolaridade e amplas possibilidades de opção de diferentes ofertas audiovisuais que concorram com a repetida oferta dos meios capitalistas".
A arte e os valores do mercado são o tema do Quarto capítulo, onde a pesquisadora debate as idéias de Pierre Bourdieu e de sua sociologia da arte. Sociologia que colocou por terra a idéia de "desinteresse e sacerdócio estético". O campo da arte não é sagrado, nem o é o artista. Este é um "espaço profano de conflito" (p.143). Os artistas quando falam de arte, também falam de competição, assim como quando estão preocupados com a forma, não estão desligados do mercado. Os debates estéticos passaram a ser vistos como lutas por legitimação. E neste sentido, trabalha-se como se o mercado fosse o espaço ideal do pluralismo, quando na verdade ele não é neutro.
Beatriz Sarlo parte da idéia de que "são os intelectuais uma categoria cuja própria existência é hoje um problema" para fechar seu livro com o capítulo "Intelectuais". Ela apresenta um retrato da trajetória deste personagem que fundou seu poder no saber e que acreditou que estava na vanguarda da sociedade usando autores como Gramsci, Bourdieu e Foucault. Neste início de século XXI tudo mudou e o papel dos intelectuais também. Poucos reivindicam suas intervenções atualmente. Não é à toa que a pesquisadora argentina pergunta: "precisamos mesmo dos intelectuais?" (p. 171).
Os intelectuais "profetas" ou "eletrônicos" não estão aptos para enfrentar o presente. Com seus saberes específicos, seja o dos especialistas fixos em um só ponto ou o dos midiáticos que não conhecem além do que a mídia produz, não estão preocupados em defender a idéia de uma cultura humanística como necessidade. Uma das saídas possíveis é a luta pela permanência do pensamento crítico. E para Sarlo esse é um "bom combate".
Para Ítalo Moriconi, que assina o prefácio da edição brasileira, a obra de intelectual argentina é a "prova concreta de que existe vida inteligente no planeta da pós esquerda latino-americana". Para o escritor e professor de literatura, seus trabalhos possuem uma perspectiva crítica, entendida por ele como a possibilidade de construir um olhar exterior aos processos em curso. Processos sociais e culturais impregnados da lógica do mercado e da mídia.
A grande contribuição deste livro de Beatriz Sarlo é, a meu ver, analisar uma diversidade de temas profundamente atuais, dialogando com distintas áreas do conhecimento como sociologia, literatura, ciência política e antropologia para produzir uma reflexão que pode ser entendida como uma "crítica da cultura". Sua crítica é fruto de seu olhar apurado e sensível para as sociedades complexas latino-americanas. Ela parte das particularidades da cultura argentina mas que não se restringe a esta. Ao contrário, seu objetivo não é buscar especificidades, mas indicar os pontos de contato e as semelhanças que unem as sociedades situadas do lado de baixo do Equador. E que muitas vezes não parecem estar ao lado, mas de costas umas para as outras sem, infelizmente, estabelecer um fluxo contínuo de troca de experiências e reflexões."
(*) Isabel Travancas é mestre em Antropologia Social pelo MN-UFRJ, doutora em Literatura Comparada pela UERJ e pós doutora em Antropologia Social pela MN-UFRJ.
Fonte:Texto reproduzido do site www.antropologia.com.br
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
RESENHA DE LIVRO CITADO PELO PROFESSOR NA 2ª AULA DA DISCIPLINA
Resenha do livro:
CEVASCO, Maria Eliza. As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo:Boitempo Editorial, 2003.
Resenha por: Bruno Adriano R. da Silva
Nesta obra a autora nos propõe uma viagem sobre a construção histórica dosestudos culturais, originários da critica a uma concepção doutrinária do conceito de cultura.Apontado enquanto uma disciplina que traria á tona a marginalidade dos “de baixo” osestudos culturais emergem de uma conjuntura ligada a tradicional critica estruturante daesquerda e do conservadorismo da sociologia inglesa postulados, como um “espectro” quetraria para o debate uma diferenciada forma de se conceber a critica cultural. Oriundo dedebates realizados no seio da classe trabalhadora, através da WEA (Worker’s EducationalAssociation), os estudos culturais, na figura de E. P. Thompson, Richard Hoggart eRaymond Williams, apresentam um entendimento que transcende as discussões até entãotravadas no interior da critica cultural, para eles a diferenciação se dava justamente no atode se questionar as formulações existentes sobre o papel da cultura no âmbito da sociedademoderna. Apontavam que esta dimensão da vida seria um privilegiado palco de disputas etensões e mais, de afirmação dos valores e significados existentes na produção dostrabalhadores. Assim questionavam os valores de definição da alta cultura e questionavamo paradoxo existente entre civilização e cultura.Por toda essa dimensão política existente na história de formação dos estudosculturais, Maria Eliza Cevasco, de modo bastante didático, nos coloca diante destadisciplina a partir de dez lições básicas, dez apontamentos sobre a origem, odesenvolvimento e os atuais embates travados no âmbito desta disciplina, desde suaaparição em meados do século passado na Inglaterra, passando pela sua migração para osEstados Unidos e chegando a sua relação com o Brasil.Na primeira lição o apontamento inicial, que nos é apresentado é o do sentidohistórico do conceito de cultura. Muito diferente do que até então era propagado pelacritica cultural inglesa, a autora nos demonstra como ao longo da criação dos estudosculturais esse preceito metodológico é introduzido no interior do debate. Tendo comomarco a obra de Raymond Williams “Culture and Society, 1780 – 1950” os estudosculturais marcam um novo entendimento para a expressão cultura e sociedade, agora nãomais encapsulada por uma compreensão mecânica desta relação, mas sim apresentada porum olhar que privilegia as modificações ocorridas no modo de produção, uma nova ordemdo sistema capitalista no séc. XVIII na Inglaterra. Williams critica a compreensãoconservadora de se olhar à cultura sob as lentes da humanização, da cultura enquantoapreensão somente de modos de vida, de valores, entendida como um “cimento social”.Vai nos dizer, ao contrário que este campo é um privilegiado espaço de compreensãocritica da sociedade, de questionamento sobre o papel da alta cultura, de quem a produz, enesse caminho vai nos propor uma cultura em comum. Um entendimento que mais do quevalorizar a produção do homem traz a tona à diferenciação hierárquica presente no interiordo modo de produção capitalista expondo uma concepção materialista da cultura nosdizendo que a definição de cultura passa por entendimento histórico do modo de produção.Posteriormente, na segunda lição a autora busca investigar as formas criticas deinterpretação da literatura inglesa que embalaram a configuração dos estudos culturais.Ainda carente de uma profundidade metodológica onde as bases da critica estivessemexplicitas, os apontamentos trazidos por F. R. Leavis, critico literário e oriundo da classe
baixa inglesa, começam a apontar um papel militante para a literatura trazendo mais sobrea expressão dos problemas sociais ingleses do que somente sobre apreensão da elite. Ouseja, uma linguagem critica da realidade do mundo inglês capitalista através da literatura,algo que posteriormente configurou-se como o preceito central dos estudos culturais, algoalém da manutenção do status quo.Na terceira lição torna-se mais evidente a guinada apontada pela tradição dosestudos culturais. Confrontam-se duas categorias formuladoras do entendimento de cultura,a Cultura de Minoria – tradicional da formação cultural inglesa – e a cultura em comum –opositora de uma visão elitista de cultura. Nessa composição os apontamentos são datadosa partir das modificações existentes no modo de produção. Williams nos diz, emcontrapartida a visão redentora da cultura de minoria onde poucos detêm a “Luz” eprecisam iluminar os desprovidos, que sua proposição de uma cultura em comum passapela compreensão da produção humana, de uma forma de vida, da organização social, oque necessariamente a coloca sob o caráter que perpassa toda a formação social, aeconomia e a política. Nesse caso compreende-se a cultura enquanto uma “frente debatalhas” capaz não somente de expor as contradições entre classes, mas também desuperá-la.Nesse sentido, a autora nos coloca diante das bases de formação dos estudosculturais encaminhando que diante da produção existente no âmbito da cultura, e por todosos fatores acima citados, caberia a essa disciplina levar adiante as contribuições deixadaspor Marx e Engels. Fazendo-se valer do Prefácio da “Contribuição da Critica da EconomiaPolítica” a autora nos diz que os formuladores dos estudos culturais apontam que a culturacompreendida no âmago da produção humana, seguindo o desenvolvimento do modo deprodução em seu aspecto globalizado, passa a fazer parte do ideário das lutas sociais.Assim aponta, que no processo educativo, tanto quanto os aspectos econômicos e políticos,a ilustração das contradições, da diferenciação dos interesses de classe, passa a ser o motorque colocaria o plano cultural na ordem do dia, ou seja, a produção dos homens no campoartístico enquanto produto de uma formação sócio-histórica. Um privilegiado espaço deatuação, de ilustração e de apropriação para a classe trabalhadora decorrendo daí opotencial cognitivo presente nos estudos culturais. Para tal, os estudos culturais, mesmoque de forma imprecisa segundo Stuart Hall (In Cevasco, 2003) levando-se emconsideração à realidade multifacetada do pós-guerra, coloca-se no papel de umavanguarda de constituição direta de intelectuais orgânicos a classe trabalhadora quepudessem dar vida às ilustrações do cotidiano, tendo em vista o distanciamento existenteentre a produção acadêmica e a realidade concreta direcionando assim, os estudos dadisciplina para a emergência dos movimentos sociais em tempos de refluxo da organizaçãodos trabalhadores na Inglaterra durante o século passado.Na quinta lição, apontando as influências do balanço político europeu do pós-guerrasobre os estudos culturais, a autora nos demonstra como a organização da “novaesquerda” inglesa trouxe para o centro do debate a emergência da cultura. Cita-se oaumento significativo do acesso ao ensino superior como fermento na formação cultural domarxismo ocidental, mas lembra-se também que diante da produção marxista, marcadapela linearidade do economicismo, o entendimento do “ser social” é separado da“determinação da consciência” o que de certa forma advoga a recusa da cultura enquantoplano estratégico das lutas sociais. A esses intelectuais, vanguarda de um entendimentomais abrangente do marxismo não era possível um afastamento do ideário tradicional dasformas de lutas, mas sim uma aproximação da dimensão cultural enquanto espaço depropaganda e permanentemente ligado a instancias políticas da sociedade.
Para isso, Williams trabalha nessa proximidade com o que ele conceitua dematerialismo cultural, uma aproximação inconteste entre a dimensão cultural e a dimensãoeconômica, uma forma de fazer avançar, como ele mesmo nos diz o legado de Marx. Paraele o entendimento de que somente fazemos história sob as condições que nos são deixadasreabre o debate sobre a natureza da produção humana, o que nesse sentido sob umainterpretação somente abrangente das “condições herdadas” inviabiliza a vontade daprodução material, da produção do homem, ou seja, a cultura. Portando abrange seupensamento diante da necessidade de emancipação dos oprimidos apontandoobjetivamente o campo da cultura enquanto uma possibilidade da noção de hegemoniaapresentada por Gramsci.Nos é apontado que nesta relação entre marxismo e cultura – mesmo com todas astensões existentes entre ambas – o materialismo cultural avança no sentido de dar forma àscondições de subversão dos interesses dominantes veiculados no âmbito da cultura.Apontam-se três formas de estruturação de significados e valores: a dominante, aemergente e a residual, todas essas em constante interação. Recai sobre esta organização oentendimento não linear de base/superestrutura, mas repousa também nessa incorporaçãodo campo da cultura uma extrapolação dos limites sobre essa relação. Nesse caso a autoranão poupa criticas ao denominado pós-marxismo, notadamente ao americano, que noconjunto das apropriações do modo de produção opta por afastamento sistemático daspraticas cotidianas, algo muito caro às origens dos estudos culturais.Avançando em seus apontamentos, na oitava lição a autora analisa o campo deinteração entre os estudos literários e os estudos culturais nos dizendo os avanços e osretrocessos existentes nessa relação, principalmente sob ordem do materialismo cultural eas contribuições deixadas por essa nova forma de se entender o processo cultural,apropriado pela voracidade da industria e compreendido enquanto meios de produção.De forma contemporânea, a autora nos coloca diante dos desafios dos estudosculturais frente estandardização da cultura e a própria apropriação da disciplina pelomercado. Nos diz ela, que mais do que nunca os apontamentos da primeira geração dosestudos culturais traduzem as necessidades de compreensão da cultura enquanto processo enão enquanto um bem naturalizado e inerte como pregam os neoliberais de hoje com o fimda história, ou podemos dizer com o fim da criação humana em sua totalidade.Finalizando, após todos estes apontamentos e toda essa contextualização sobre alocalização histórica dos estudos culturais demonstra-se como, no Brasil, essa disciplinaenraizou-se por um processo semelhante ao inglês. Fruto de uma mesma conjuntura, aburocratização do socialismo real. Os estudos culturais no Brasil buscam dialogar comuma realidade definida pela colonização tardia de nossa sociedade mas igualmentecapitulada pela voracidade da ordem econômica mundial. Nesse aspecto se organizam emtorno da Universidade de São Paulo grupos de estudantes preocupados em dar forma aessas contradições através de movimentos literários, ou seja, a realidade em uma analisemarxista explicada diante da necessidade de letramento de uma sociedade extremamenteestratificada como a nossa. Assim como nos diz a autora, os ensinamentos de Williamsfundados no Brasil por uma casualidade da realidade concreta só encontrariam vozesdiante uma outra forma de se conceber essa realidade."
Fonte:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/30/res01_30.pdf.
CEVASCO, Maria Eliza. As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo:Boitempo Editorial, 2003.
Resenha por: Bruno Adriano R. da Silva
Nesta obra a autora nos propõe uma viagem sobre a construção histórica dosestudos culturais, originários da critica a uma concepção doutrinária do conceito de cultura.Apontado enquanto uma disciplina que traria á tona a marginalidade dos “de baixo” osestudos culturais emergem de uma conjuntura ligada a tradicional critica estruturante daesquerda e do conservadorismo da sociologia inglesa postulados, como um “espectro” quetraria para o debate uma diferenciada forma de se conceber a critica cultural. Oriundo dedebates realizados no seio da classe trabalhadora, através da WEA (Worker’s EducationalAssociation), os estudos culturais, na figura de E. P. Thompson, Richard Hoggart eRaymond Williams, apresentam um entendimento que transcende as discussões até entãotravadas no interior da critica cultural, para eles a diferenciação se dava justamente no atode se questionar as formulações existentes sobre o papel da cultura no âmbito da sociedademoderna. Apontavam que esta dimensão da vida seria um privilegiado palco de disputas etensões e mais, de afirmação dos valores e significados existentes na produção dostrabalhadores. Assim questionavam os valores de definição da alta cultura e questionavamo paradoxo existente entre civilização e cultura.Por toda essa dimensão política existente na história de formação dos estudosculturais, Maria Eliza Cevasco, de modo bastante didático, nos coloca diante destadisciplina a partir de dez lições básicas, dez apontamentos sobre a origem, odesenvolvimento e os atuais embates travados no âmbito desta disciplina, desde suaaparição em meados do século passado na Inglaterra, passando pela sua migração para osEstados Unidos e chegando a sua relação com o Brasil.Na primeira lição o apontamento inicial, que nos é apresentado é o do sentidohistórico do conceito de cultura. Muito diferente do que até então era propagado pelacritica cultural inglesa, a autora nos demonstra como ao longo da criação dos estudosculturais esse preceito metodológico é introduzido no interior do debate. Tendo comomarco a obra de Raymond Williams “Culture and Society, 1780 – 1950” os estudosculturais marcam um novo entendimento para a expressão cultura e sociedade, agora nãomais encapsulada por uma compreensão mecânica desta relação, mas sim apresentada porum olhar que privilegia as modificações ocorridas no modo de produção, uma nova ordemdo sistema capitalista no séc. XVIII na Inglaterra. Williams critica a compreensãoconservadora de se olhar à cultura sob as lentes da humanização, da cultura enquantoapreensão somente de modos de vida, de valores, entendida como um “cimento social”.Vai nos dizer, ao contrário que este campo é um privilegiado espaço de compreensãocritica da sociedade, de questionamento sobre o papel da alta cultura, de quem a produz, enesse caminho vai nos propor uma cultura em comum. Um entendimento que mais do quevalorizar a produção do homem traz a tona à diferenciação hierárquica presente no interiordo modo de produção capitalista expondo uma concepção materialista da cultura nosdizendo que a definição de cultura passa por entendimento histórico do modo de produção.Posteriormente, na segunda lição a autora busca investigar as formas criticas deinterpretação da literatura inglesa que embalaram a configuração dos estudos culturais.Ainda carente de uma profundidade metodológica onde as bases da critica estivessemexplicitas, os apontamentos trazidos por F. R. Leavis, critico literário e oriundo da classe
baixa inglesa, começam a apontar um papel militante para a literatura trazendo mais sobrea expressão dos problemas sociais ingleses do que somente sobre apreensão da elite. Ouseja, uma linguagem critica da realidade do mundo inglês capitalista através da literatura,algo que posteriormente configurou-se como o preceito central dos estudos culturais, algoalém da manutenção do status quo.Na terceira lição torna-se mais evidente a guinada apontada pela tradição dosestudos culturais. Confrontam-se duas categorias formuladoras do entendimento de cultura,a Cultura de Minoria – tradicional da formação cultural inglesa – e a cultura em comum –opositora de uma visão elitista de cultura. Nessa composição os apontamentos são datadosa partir das modificações existentes no modo de produção. Williams nos diz, emcontrapartida a visão redentora da cultura de minoria onde poucos detêm a “Luz” eprecisam iluminar os desprovidos, que sua proposição de uma cultura em comum passapela compreensão da produção humana, de uma forma de vida, da organização social, oque necessariamente a coloca sob o caráter que perpassa toda a formação social, aeconomia e a política. Nesse caso compreende-se a cultura enquanto uma “frente debatalhas” capaz não somente de expor as contradições entre classes, mas também desuperá-la.Nesse sentido, a autora nos coloca diante das bases de formação dos estudosculturais encaminhando que diante da produção existente no âmbito da cultura, e por todosos fatores acima citados, caberia a essa disciplina levar adiante as contribuições deixadaspor Marx e Engels. Fazendo-se valer do Prefácio da “Contribuição da Critica da EconomiaPolítica” a autora nos diz que os formuladores dos estudos culturais apontam que a culturacompreendida no âmago da produção humana, seguindo o desenvolvimento do modo deprodução em seu aspecto globalizado, passa a fazer parte do ideário das lutas sociais.Assim aponta, que no processo educativo, tanto quanto os aspectos econômicos e políticos,a ilustração das contradições, da diferenciação dos interesses de classe, passa a ser o motorque colocaria o plano cultural na ordem do dia, ou seja, a produção dos homens no campoartístico enquanto produto de uma formação sócio-histórica. Um privilegiado espaço deatuação, de ilustração e de apropriação para a classe trabalhadora decorrendo daí opotencial cognitivo presente nos estudos culturais. Para tal, os estudos culturais, mesmoque de forma imprecisa segundo Stuart Hall (In Cevasco, 2003) levando-se emconsideração à realidade multifacetada do pós-guerra, coloca-se no papel de umavanguarda de constituição direta de intelectuais orgânicos a classe trabalhadora quepudessem dar vida às ilustrações do cotidiano, tendo em vista o distanciamento existenteentre a produção acadêmica e a realidade concreta direcionando assim, os estudos dadisciplina para a emergência dos movimentos sociais em tempos de refluxo da organizaçãodos trabalhadores na Inglaterra durante o século passado.Na quinta lição, apontando as influências do balanço político europeu do pós-guerrasobre os estudos culturais, a autora nos demonstra como a organização da “novaesquerda” inglesa trouxe para o centro do debate a emergência da cultura. Cita-se oaumento significativo do acesso ao ensino superior como fermento na formação cultural domarxismo ocidental, mas lembra-se também que diante da produção marxista, marcadapela linearidade do economicismo, o entendimento do “ser social” é separado da“determinação da consciência” o que de certa forma advoga a recusa da cultura enquantoplano estratégico das lutas sociais. A esses intelectuais, vanguarda de um entendimentomais abrangente do marxismo não era possível um afastamento do ideário tradicional dasformas de lutas, mas sim uma aproximação da dimensão cultural enquanto espaço depropaganda e permanentemente ligado a instancias políticas da sociedade.
Para isso, Williams trabalha nessa proximidade com o que ele conceitua dematerialismo cultural, uma aproximação inconteste entre a dimensão cultural e a dimensãoeconômica, uma forma de fazer avançar, como ele mesmo nos diz o legado de Marx. Paraele o entendimento de que somente fazemos história sob as condições que nos são deixadasreabre o debate sobre a natureza da produção humana, o que nesse sentido sob umainterpretação somente abrangente das “condições herdadas” inviabiliza a vontade daprodução material, da produção do homem, ou seja, a cultura. Portando abrange seupensamento diante da necessidade de emancipação dos oprimidos apontandoobjetivamente o campo da cultura enquanto uma possibilidade da noção de hegemoniaapresentada por Gramsci.Nos é apontado que nesta relação entre marxismo e cultura – mesmo com todas astensões existentes entre ambas – o materialismo cultural avança no sentido de dar forma àscondições de subversão dos interesses dominantes veiculados no âmbito da cultura.Apontam-se três formas de estruturação de significados e valores: a dominante, aemergente e a residual, todas essas em constante interação. Recai sobre esta organização oentendimento não linear de base/superestrutura, mas repousa também nessa incorporaçãodo campo da cultura uma extrapolação dos limites sobre essa relação. Nesse caso a autoranão poupa criticas ao denominado pós-marxismo, notadamente ao americano, que noconjunto das apropriações do modo de produção opta por afastamento sistemático daspraticas cotidianas, algo muito caro às origens dos estudos culturais.Avançando em seus apontamentos, na oitava lição a autora analisa o campo deinteração entre os estudos literários e os estudos culturais nos dizendo os avanços e osretrocessos existentes nessa relação, principalmente sob ordem do materialismo cultural eas contribuições deixadas por essa nova forma de se entender o processo cultural,apropriado pela voracidade da industria e compreendido enquanto meios de produção.De forma contemporânea, a autora nos coloca diante dos desafios dos estudosculturais frente estandardização da cultura e a própria apropriação da disciplina pelomercado. Nos diz ela, que mais do que nunca os apontamentos da primeira geração dosestudos culturais traduzem as necessidades de compreensão da cultura enquanto processo enão enquanto um bem naturalizado e inerte como pregam os neoliberais de hoje com o fimda história, ou podemos dizer com o fim da criação humana em sua totalidade.Finalizando, após todos estes apontamentos e toda essa contextualização sobre alocalização histórica dos estudos culturais demonstra-se como, no Brasil, essa disciplinaenraizou-se por um processo semelhante ao inglês. Fruto de uma mesma conjuntura, aburocratização do socialismo real. Os estudos culturais no Brasil buscam dialogar comuma realidade definida pela colonização tardia de nossa sociedade mas igualmentecapitulada pela voracidade da ordem econômica mundial. Nesse aspecto se organizam emtorno da Universidade de São Paulo grupos de estudantes preocupados em dar forma aessas contradições através de movimentos literários, ou seja, a realidade em uma analisemarxista explicada diante da necessidade de letramento de uma sociedade extremamenteestratificada como a nossa. Assim como nos diz a autora, os ensinamentos de Williamsfundados no Brasil por uma casualidade da realidade concreta só encontrariam vozesdiante uma outra forma de se conceber essa realidade."
Fonte:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/30/res01_30.pdf.
ENTREVISTA COM UM AUTOR CITADO PELO PROFESSOR NO 2º DIA DE AULA DA DISCIPLINA - ARMAND MATTELART
Os riscos da perda da originalidade diante
da generalização dos “estudos culturais”
Entrevista de Armand Mattelart
(Université Paris VIII , França)
a Edgard Rebouças
(Fac. Assoc. Espírito Santo – Faesa, Brasil)
"Dizer para os leitores da revista do Pensamento Comunicacional Latino Americano que Armand Mattelart é um dos mais respeitados estudiosos do campo da Comunicação seria uma ofensa à inteligência dos colegas. Utilizar estas poucas linhas para tentar introduzir ou explicar sua importância para a pesquisa na região seria um exercício de síntese por demais complicado. Mas alguns alertas talvez sejam necessários: primeiro, tentamos entrevistá-lo desde os números iniciais de nossa revista, mas invariavelmente havia um desencontro de datas, de local ou de disponibilidade de um entrevistador; até que foi possível que ele abrisse espaço em sua concorrida agenda para a PCLA durante um recente evento em Montreal.
Depois, o que o leitor da entrevista que se segue terá prazer de acompanhar é uma análise de quem conhece os problemas da Comunicação na América Latina como poucos, verá também uma crítica contundente ao uso que vem sendo dado o terno Cultural Studies, chegando ao que chama de um “verdadeiro imperialismo metodológico”. Armand Mattelart também convida os pesquisadores latino-americanos para um resgate às duas problemáticas mais marcantes dos estudos no continente: a comunicação popular e a internacionalização da mídia. Ao final, ele fala ainda da tecnicização dos curso de Comunicação, das dificuldades institucionais para a pesquisa na América Latina e de seus projetos futuros, já que reconhece estar mais distante de nós do que gostaria.
PCLA – Por muitos anos o senhor dedicou parte de seus estudos aos fenômenos da Comunicação na América Latina, sobretudo no Chile e no Brasil. Seus trabalhos são referência não só para pesquisadores latino-americanos, como de outros continentes, para que todos tenham uma visão sobre a região. O que pode nos dizer sobre como vê hoje a pesquisa em Comunicação na América Latina.
Armand Mattelart – Eu teria a mesma dificuldade para responder a esta sua pergunta caso me pedisse um panorama sobre a pesquisa em Comunicação na Europa. Para mim a América Latina é como o que (Ferdinand) Braudel escreveu na revista Annales, em 1948, da École des Annales Historiques, em um número dedicado à região: ele dizia que não há uma América Latina, ela falava de várias américas latinas… e esse é um número muito interessante, pois havia uma série de historiadores brasileiros, mexicanos etc. E ele mostrava no texto da introdução como a América Latina era formada pela diversidade. De minha parte, a primeira coisa que diria também é que a América Latina é um continente com muita diversidade, apesar de parecer um continente unido. E essa diversidade estava mais presente no anos 60, na época em que vimos as primeiras reações contra a hegemonia da escola funcionalista. Foi a época de (Antonio) Pasquali com sua base frankfurtiana, na Venezuela; foi (Eliseo) Verón na Argentina; aqueles que trabalhavam com cinema militante e rádio mineiras na Bolívia; no Peru também surgiram algumas alternativas; no Brasil, no início dos anos 60, era sobretudo Paulo Freire, que depois vai para o exílio no Chile… Enfim, o que quero dizer é que o panorama latino-americano é composto pela diversidade. Hoje, 25 ou 30 anos depois, é verdade que ainda existe uma diversidade. Mas agora, diferentemente dos anos 60, existem lógicas dominantes. É evidente que o que mudou não foi somente na lógica de integração da comunidade acadêmica latino-americana, mas devido ao fato de a comunidade acadêmica mundial estar em fase de estruturação. Isso trás algumas vantagens, mas também gera uma perda de especificidade, com risco para a história de algumas hipóteses que nasceram em um campo muito particular. Vemos isso com muita clareza na América Latina na forma como o mundo acadêmico anglo-saxão chegou ao ponto de tentar capitalizar as pesquisas que são chamadas dentro da abordagem do Cultural Studies, ao ponto de colocarem sob um mesmo guarda-chuvas até os estudos latino-americanos sobre a cultura. Sendo que o Cultural Studies nasceu em um ambiente muito específico, que é Birminghan. O problema da integração na comunidade internacional é que chegamos ao ponto, então, de haver um grande guarda-chuvas, e colocamos tudo lá em baixo… Isso é também uma forma de dominação. O que causa uma perda de memória, de originalidade da pesquisa, e acho que isso é um perigo.
PCLA – E o senhor acredita que aquela originalidade ainda pode ser resgatada? Por exemplo, como os trabalhos em comunicação comunitária, comunicação e cidadania, comunicação e educação…
Mattelart – Historicamente existem duas das grandes originalidades na pesquisa latino-americana. Primeiramente é a pesquisa em comunicação popular. A segunda, sobre a internacionalização. Na área da comunicação popular, englobam todas as iniciativas que queriam devolver a voz ao povo; seja no Chile, na Bolívia, na Colômbia, em todos os lados havia uma dinâmica bem forte. E acredito que toda a problemática ligada às campanhas de conscientização de Paulo Freire foram determinantes. Mas não havia somente Paulo Freire, havia também toda uma malha popular, e isso se dava em vários países latino-americanos. Isso foi evoluindo, inicialmente com o cinema, depois com o rádio… Este me parece um elemento fundamental. E você vai me perguntar o que ainda resta hoje dessa corrente. Pessoalmente eu acredito, e isso eu vi no início de 2002 em Porto Alegre, mais do que em 2001, que há uma preocupação popular de encontrar a ligação entre as ciências da Comunicação e as comunidades, o que é muito importante. Olhe a preocupação que está começando a se solidificar com o uso da informática pelas organizações populares, proposta essa que foi lançada pelo Ibase (www.ibase.br), com Herbert de Souza, Marcos Arruda e todos os outros. Hoje isso continua, a prova é que se mantém no centro da luta antiglobalização. E existem muitas outras organizações. Eu vejo esta como uma linha de estudos que é ainda muito forte, e isso dá um dos aspectos fundamentais dessa originalidade. Lógico que em alguns países ela se mostra mais forte do que em outros, o Brasil ocupa um lugar importante, pois lá ela é contínua. A problemática popular permanece essencial. Não diria a mesma coisa de todos os países latino-americanos. Algumas vezes vejo uma espécie de folga, uma recessão em relação a essa problemática. Acho que existem lógicas que vão contra esse tipo de problemática. E há coisas bem interessantes; não sei se você se lembra, em Santos, em 1997, (José) Marque de Melo fez uma análise da evolução da pesquisa no Brasil, e ele constatou que até o início dos anos 90 havia uma forte base de pesquisa em comunicação popular. E a partir dos anos 90, começava, progressivamente, a se voltar para a comunicação empresarial e tudo o mais; isso é totalmente oposto à dinâmica anterior. Mas isso acontece em todo o mundo, não somente na América Latina. Na França, o grande perigo é que as escolas de Comunicação venham a se tornar simplesmente escolas profissionalizantes, e que deixem de lado todo aquele questionamento crítico. Enfim, o que é importante é o resgate dessas interrogações sobre a comunicação popular e, sobretudo, a forma como ela está sendo incorporada e utilizada pelas redes sociais. Aí está um bom tema para ser observado, pois está se tornando comum na América Latina; basta ver o que vem sendo feito pela Alai (www.alainet.org), no Equador, criando uma rede tecnológica para atender a questões sociais. E eles se projetaram no espaço internacional, chegando ao ponto de estarem participando da organização da Cúpula da Sociedade da Informação, a ser realizado em dezembro de 2003, em Genebra, não só auxiliando, mas intervindo nos temas que serão discutidos.
PCLA – E a segunda linha, a dos estudos sobre a internacionalização da mídia?
Mattelart – A diversidade também gerou esse ponto de vista original na pesquisa. E os pesquisadores latino-americanos de hoje têm uma tendência a se esquecerem que a primeira região a levantar o problema da internacionalização foi América Latina; por meio de teorias que talvez sejam criticáveis hoje em dia, mas que continuam muito válidas para muitos aspectos, a teoria da dependência, por exemplo. Mas foi pioneira na construção de um campo de estudo sobre as relações internacionais em comunicação. Enquanto que na França foi preciso esperar até a segunda metade dos anos 80 para ver surgir alguns estudos sobre a internacionalização, na América Latina sempre existiram muitos: com a Nomic, as políticas culturais, as políticas de comunicação. Sem contar o número de eventos organizados pela Unesco (www.unesco.org), pela Intercom (www.intercom.org.br) ou por vários outros, que faziam com que o tema fosse muito discutido na América Latina. E seria muito importante retomar essa problemática. O que acontece é que os termos globalização e mundialização ficaram tão em voga que todo mundo pensa que trabalha com internacionalização. E isso é terrível! Eu acredito que há um campo específico, e o caminho traçado pelos latino-americanos, de reencontrar uma economia política da comunicação, é essencial.
PCLA – Como os estudos e as contribuições vindas da América Latina são vistos pelos pesquisadores europeus?
Mattelart – Existe um certo distanciamento. Lógico que há algumas exceções, como os colóquios feitos por pesquisadores franceses com o México, com o Brasil; mas isso é muito pouco, e fica muito restrito a um grupo pequeno. O que começa a acontecer é uma chamada de atenção para temas específicos, ligados quase a temas chaves, como por exemplo o hibridismo cultural. Quer dizer, há temas que circulam pelo mundo e que em um determinado momento chamam a atenção de alguém. Porque, pensando bem, as pesquisas latino-americanas que são mais conhecidas no exterior são aquelas que seguem um tipo de slogan. O exemplo que dei de Cultural Studies, e em seu interior a hibridização, a mediação, ou ainda (Renato) Ortiz com o popular nacional… são coisas que caminham. E eu arriscaria dizer que é uma lei do marketing. O grande perigo é ficarmos somente nisso, porque não somente as outras pesquisas acabam ficando escondidas, como também passamos a dar uma interpretação dessas pesquisas, de (Jesus Martin) Barbero, (Néstor Garcia) ou de Ortiz, de uma forma quase abençoada. Eu tenho uma interpretação completamente iconoclástica, mas te direi assim mesmo: é que me parece que está na forma como certos europeus lêem o que chamamos de “estudos culturais” – o termo foi muito generalizado. O problema está aí. Tenho a impressão de que a introdução dos estudos culturais latino-americanos na Europa tem servido muito para que… como se tivéssemos ido procurar na América Latina uma pesquisa que constitui um complemento da alma, e que não está isenta de um certo exotismo. E isso é muito perigoso! Porque isso renova o mito etnocêntrico do bom selvagem, é um aspecto redentor. Eu, particularmente, sou muito crítico quanto a isso. E como faço parte tanto da Europa como da América Latina, sinto isso muito mais do que os outros. Vejo que há uma espécie de exploração, um pouco menos na França, pois ela é mais pluralista neste ponto, mas na pesquisa anglo-saxã, onde os estudos culturais latino-americanos não são necessariamente aquilo o que está ligado à América Latina.
PCLA – Dessa forma, todas as outras abordagens metodológicas e teóricas ficam esquecidas…
Mattelart – Exato. Ninguém fala delas. Porque o que é tomado como instrumento de difusão de nossas pesquisas são determinadas revistas científicas, e quando vez ou outra sai um número especial sobre a América Latina só se fala dos estudos culturais, e não de um panorama do que acontece realmente. Vou dar um exemplo muito simples: você conhece bem o movimento zapatista, eu nunca vi em uma revista européia um artigo escrito por um latino-americano sobre o zapatismo (risos). Mas é um assunto que está diretamente ligado aos estudos culturais, só que os latino-americanos ainda não trataram desse tema com uma aproximação adequada. Quem poderia fazer isso? Não é Canclini. Ele está no México, mas como um exilado; ele pode dizer algumas coisa, mas não outras. Isso também faz parte da realidade da pesquisa na América Latina. O que nós esquecemos é que, apesar da construção de uma comunidade internacional de pesquisa, na circulação da pesquisa há sempre um jogo de forças intercultural. E minha preocupação é que a cada dia os pesquisadores queiram da América Latina somente os aspectos do que é feito em termos de estudos culturais, como se ela só tivesse isso para dar.
PCLA – Mas nós temos aqui um ponto que precisa ser melhor esclarecido. Pois nas recentes publicações em inglês, Cultural Studies se tornou um grande campo, onde quase todos os fenômenos ligados a Comunicação podem ser colocados em seu interior. O uso do termo difere do conceito que era pretendido pelos primeiros estudiosos de Birminghan.
Mattelart – Pois é. Isso é uma coisa inacreditável. Está tudo misturado. Você já deve ter visto um livro feito por um australiano chamado Simon During, que teve a segunda edição lançada recentemente. Eu estava em Nova York, dei uma folheada no livro e fiquei chocado.
PCLA – Sim, é um livro novo da Routledge, Cultural Studies Reader, uma coletânea enorme com textos que vão de Adorno a Lyotard, passando por Bourdieu, Roland Barthes, Foucault…
Mattelart – Esse mesmo. Segundo o que está lá, tudo é Cultural Studies. Isso é um verdadeiro imperialismo, todas as tradições que falam algo sobre cultura acabam virando Cultural Studies. Não podemos juntar tudo em uma só abordagem; pois eu faço estudos culturais, você também. A única coisa que eles nunca citam é a história. E aqueles estudos que começaram na Inglaterra sob uma dinâmica da história, com (Raymond) Williams, com (Edward P.) Thompson, ficaram para trás; a história para eles são as últimas duas décadas.
PCLA – Há pouco o senhor falou de uma preocupação sobre a tecnicização dos cursos de Comunicação na França, como o senhor vê este problema também na América Latina, em países que ainda enfrentam crises institucionais tão graves? O senhor acha que isso pode afetar a pesquisa em Comunicação na região?
Mattelart – Eu acredito que este é um problema muito sério. A pesquisa latino-americana está ligada também a situação desastrosa das universidades. O perigo é que as instituições públicas não possam mais permitir que seus professores continuem a fazer pesquisa. E isso já um problema que toca o volume de pesquisas, pois, antes de tudo, os pesquisadores precisam viver. E trabalhando em três universidades para ganhar a vida, a pesquisa vira algo secundário. Como me disse outro dia um colega nosso argentino, Guillermo Mastrini, que em um mês só pôde dedicar dois dias para suas pesquisas. Essa é a realidade, e você deve passar pela mesma situação no Brasil. Como isso, a condição do professor/pesquisador se deteriora. E essa situação piorou nos últimos 10 ou 15 anos. A qualidade de vida dos professores caiu. E a isso se junta a idéia da completa privatização do ensino superior. É verdade que há universidades privadas que se dedicam à pesquisa, a Unisinos, no Brasil, por exemplo, reúne muitos pesquisadores…
PCLA – São, sobretudo, as chamadas confessionais, ligadas às igrejas…
Mattelart – Isso mesmo, porque elas têm uma problemática. Mas temos que perguntar se elas têm ainda um dinâmica crítica, talvez individualmente, não sei. Em todo caso, o principal problema na América Latina é a morte, ou a atenuação, do serviço público, e o crescimento das pesquisas ligadas a comunicação organizacional. Acaba ficando tudo muito empírico.
PCLA - Já faz alguns anos que o senhor não direciona suas análises para o que se passa em nível local ou regional na América Latina. Por que esse distanciamento?
Mattelart - É, realmente, há algum tempo que eu não trabalho mais diretamente sobre a América Latina, mas por meio de meus estudos sobre a mundialização, a diversidade cultural e sobretudo sobre a sociedade da informação eu continuo ligado a problemáticas que englobam a América Latina. E mantenho minhas ligações com a América Latina por meio dos cursos que dou com frequência na região. É verdade que não trabalho mais sobre temas ligados diretamente à região, como pude fazer nos anos 80 com Carnaval das Imagens, com Michèlle Mattelart, ou ainda com outra obra que ainda não foi publicada no Brasil, e que foi importante, que poderia ter o título de América Latina e a encruzilhada telemática. Trata-se de uma abordagem sobre os primeiros passos para uma informatização da América Latina, que derivou de uma viagem que fizemos com Héctor Schmucler, financiada pelo Centro Canadense para o Desenvolvimento Internacional. Isso tudo faz com que eu tenha vínculos íntimos com alguns pesquisadores também.
PCLA – E quais são seus próximos projetos com a América Latina?
Mattelart – Acabo de terminar um livro de saiu recentemente no Brasil, História da Sociedade da Informação (publicado pela Loyola). E estou preparando um trabalho com um amigo sobre a evolução da escola dos Cultural Studies e a revolução que causou em âmbito internacional. Isso me preocupa, pois é um problema que não pode ser mitificado."
da generalização dos “estudos culturais”
Entrevista de Armand Mattelart
(Université Paris VIII , França)
a Edgard Rebouças
(Fac. Assoc. Espírito Santo – Faesa, Brasil)
"Dizer para os leitores da revista do Pensamento Comunicacional Latino Americano que Armand Mattelart é um dos mais respeitados estudiosos do campo da Comunicação seria uma ofensa à inteligência dos colegas. Utilizar estas poucas linhas para tentar introduzir ou explicar sua importância para a pesquisa na região seria um exercício de síntese por demais complicado. Mas alguns alertas talvez sejam necessários: primeiro, tentamos entrevistá-lo desde os números iniciais de nossa revista, mas invariavelmente havia um desencontro de datas, de local ou de disponibilidade de um entrevistador; até que foi possível que ele abrisse espaço em sua concorrida agenda para a PCLA durante um recente evento em Montreal.
Depois, o que o leitor da entrevista que se segue terá prazer de acompanhar é uma análise de quem conhece os problemas da Comunicação na América Latina como poucos, verá também uma crítica contundente ao uso que vem sendo dado o terno Cultural Studies, chegando ao que chama de um “verdadeiro imperialismo metodológico”. Armand Mattelart também convida os pesquisadores latino-americanos para um resgate às duas problemáticas mais marcantes dos estudos no continente: a comunicação popular e a internacionalização da mídia. Ao final, ele fala ainda da tecnicização dos curso de Comunicação, das dificuldades institucionais para a pesquisa na América Latina e de seus projetos futuros, já que reconhece estar mais distante de nós do que gostaria.
PCLA – Por muitos anos o senhor dedicou parte de seus estudos aos fenômenos da Comunicação na América Latina, sobretudo no Chile e no Brasil. Seus trabalhos são referência não só para pesquisadores latino-americanos, como de outros continentes, para que todos tenham uma visão sobre a região. O que pode nos dizer sobre como vê hoje a pesquisa em Comunicação na América Latina.
Armand Mattelart – Eu teria a mesma dificuldade para responder a esta sua pergunta caso me pedisse um panorama sobre a pesquisa em Comunicação na Europa. Para mim a América Latina é como o que (Ferdinand) Braudel escreveu na revista Annales, em 1948, da École des Annales Historiques, em um número dedicado à região: ele dizia que não há uma América Latina, ela falava de várias américas latinas… e esse é um número muito interessante, pois havia uma série de historiadores brasileiros, mexicanos etc. E ele mostrava no texto da introdução como a América Latina era formada pela diversidade. De minha parte, a primeira coisa que diria também é que a América Latina é um continente com muita diversidade, apesar de parecer um continente unido. E essa diversidade estava mais presente no anos 60, na época em que vimos as primeiras reações contra a hegemonia da escola funcionalista. Foi a época de (Antonio) Pasquali com sua base frankfurtiana, na Venezuela; foi (Eliseo) Verón na Argentina; aqueles que trabalhavam com cinema militante e rádio mineiras na Bolívia; no Peru também surgiram algumas alternativas; no Brasil, no início dos anos 60, era sobretudo Paulo Freire, que depois vai para o exílio no Chile… Enfim, o que quero dizer é que o panorama latino-americano é composto pela diversidade. Hoje, 25 ou 30 anos depois, é verdade que ainda existe uma diversidade. Mas agora, diferentemente dos anos 60, existem lógicas dominantes. É evidente que o que mudou não foi somente na lógica de integração da comunidade acadêmica latino-americana, mas devido ao fato de a comunidade acadêmica mundial estar em fase de estruturação. Isso trás algumas vantagens, mas também gera uma perda de especificidade, com risco para a história de algumas hipóteses que nasceram em um campo muito particular. Vemos isso com muita clareza na América Latina na forma como o mundo acadêmico anglo-saxão chegou ao ponto de tentar capitalizar as pesquisas que são chamadas dentro da abordagem do Cultural Studies, ao ponto de colocarem sob um mesmo guarda-chuvas até os estudos latino-americanos sobre a cultura. Sendo que o Cultural Studies nasceu em um ambiente muito específico, que é Birminghan. O problema da integração na comunidade internacional é que chegamos ao ponto, então, de haver um grande guarda-chuvas, e colocamos tudo lá em baixo… Isso é também uma forma de dominação. O que causa uma perda de memória, de originalidade da pesquisa, e acho que isso é um perigo.
PCLA – E o senhor acredita que aquela originalidade ainda pode ser resgatada? Por exemplo, como os trabalhos em comunicação comunitária, comunicação e cidadania, comunicação e educação…
Mattelart – Historicamente existem duas das grandes originalidades na pesquisa latino-americana. Primeiramente é a pesquisa em comunicação popular. A segunda, sobre a internacionalização. Na área da comunicação popular, englobam todas as iniciativas que queriam devolver a voz ao povo; seja no Chile, na Bolívia, na Colômbia, em todos os lados havia uma dinâmica bem forte. E acredito que toda a problemática ligada às campanhas de conscientização de Paulo Freire foram determinantes. Mas não havia somente Paulo Freire, havia também toda uma malha popular, e isso se dava em vários países latino-americanos. Isso foi evoluindo, inicialmente com o cinema, depois com o rádio… Este me parece um elemento fundamental. E você vai me perguntar o que ainda resta hoje dessa corrente. Pessoalmente eu acredito, e isso eu vi no início de 2002 em Porto Alegre, mais do que em 2001, que há uma preocupação popular de encontrar a ligação entre as ciências da Comunicação e as comunidades, o que é muito importante. Olhe a preocupação que está começando a se solidificar com o uso da informática pelas organizações populares, proposta essa que foi lançada pelo Ibase (www.ibase.br), com Herbert de Souza, Marcos Arruda e todos os outros. Hoje isso continua, a prova é que se mantém no centro da luta antiglobalização. E existem muitas outras organizações. Eu vejo esta como uma linha de estudos que é ainda muito forte, e isso dá um dos aspectos fundamentais dessa originalidade. Lógico que em alguns países ela se mostra mais forte do que em outros, o Brasil ocupa um lugar importante, pois lá ela é contínua. A problemática popular permanece essencial. Não diria a mesma coisa de todos os países latino-americanos. Algumas vezes vejo uma espécie de folga, uma recessão em relação a essa problemática. Acho que existem lógicas que vão contra esse tipo de problemática. E há coisas bem interessantes; não sei se você se lembra, em Santos, em 1997, (José) Marque de Melo fez uma análise da evolução da pesquisa no Brasil, e ele constatou que até o início dos anos 90 havia uma forte base de pesquisa em comunicação popular. E a partir dos anos 90, começava, progressivamente, a se voltar para a comunicação empresarial e tudo o mais; isso é totalmente oposto à dinâmica anterior. Mas isso acontece em todo o mundo, não somente na América Latina. Na França, o grande perigo é que as escolas de Comunicação venham a se tornar simplesmente escolas profissionalizantes, e que deixem de lado todo aquele questionamento crítico. Enfim, o que é importante é o resgate dessas interrogações sobre a comunicação popular e, sobretudo, a forma como ela está sendo incorporada e utilizada pelas redes sociais. Aí está um bom tema para ser observado, pois está se tornando comum na América Latina; basta ver o que vem sendo feito pela Alai (www.alainet.org), no Equador, criando uma rede tecnológica para atender a questões sociais. E eles se projetaram no espaço internacional, chegando ao ponto de estarem participando da organização da Cúpula da Sociedade da Informação, a ser realizado em dezembro de 2003, em Genebra, não só auxiliando, mas intervindo nos temas que serão discutidos.
PCLA – E a segunda linha, a dos estudos sobre a internacionalização da mídia?
Mattelart – A diversidade também gerou esse ponto de vista original na pesquisa. E os pesquisadores latino-americanos de hoje têm uma tendência a se esquecerem que a primeira região a levantar o problema da internacionalização foi América Latina; por meio de teorias que talvez sejam criticáveis hoje em dia, mas que continuam muito válidas para muitos aspectos, a teoria da dependência, por exemplo. Mas foi pioneira na construção de um campo de estudo sobre as relações internacionais em comunicação. Enquanto que na França foi preciso esperar até a segunda metade dos anos 80 para ver surgir alguns estudos sobre a internacionalização, na América Latina sempre existiram muitos: com a Nomic, as políticas culturais, as políticas de comunicação. Sem contar o número de eventos organizados pela Unesco (www.unesco.org), pela Intercom (www.intercom.org.br) ou por vários outros, que faziam com que o tema fosse muito discutido na América Latina. E seria muito importante retomar essa problemática. O que acontece é que os termos globalização e mundialização ficaram tão em voga que todo mundo pensa que trabalha com internacionalização. E isso é terrível! Eu acredito que há um campo específico, e o caminho traçado pelos latino-americanos, de reencontrar uma economia política da comunicação, é essencial.
PCLA – Como os estudos e as contribuições vindas da América Latina são vistos pelos pesquisadores europeus?
Mattelart – Existe um certo distanciamento. Lógico que há algumas exceções, como os colóquios feitos por pesquisadores franceses com o México, com o Brasil; mas isso é muito pouco, e fica muito restrito a um grupo pequeno. O que começa a acontecer é uma chamada de atenção para temas específicos, ligados quase a temas chaves, como por exemplo o hibridismo cultural. Quer dizer, há temas que circulam pelo mundo e que em um determinado momento chamam a atenção de alguém. Porque, pensando bem, as pesquisas latino-americanas que são mais conhecidas no exterior são aquelas que seguem um tipo de slogan. O exemplo que dei de Cultural Studies, e em seu interior a hibridização, a mediação, ou ainda (Renato) Ortiz com o popular nacional… são coisas que caminham. E eu arriscaria dizer que é uma lei do marketing. O grande perigo é ficarmos somente nisso, porque não somente as outras pesquisas acabam ficando escondidas, como também passamos a dar uma interpretação dessas pesquisas, de (Jesus Martin) Barbero, (Néstor Garcia) ou de Ortiz, de uma forma quase abençoada. Eu tenho uma interpretação completamente iconoclástica, mas te direi assim mesmo: é que me parece que está na forma como certos europeus lêem o que chamamos de “estudos culturais” – o termo foi muito generalizado. O problema está aí. Tenho a impressão de que a introdução dos estudos culturais latino-americanos na Europa tem servido muito para que… como se tivéssemos ido procurar na América Latina uma pesquisa que constitui um complemento da alma, e que não está isenta de um certo exotismo. E isso é muito perigoso! Porque isso renova o mito etnocêntrico do bom selvagem, é um aspecto redentor. Eu, particularmente, sou muito crítico quanto a isso. E como faço parte tanto da Europa como da América Latina, sinto isso muito mais do que os outros. Vejo que há uma espécie de exploração, um pouco menos na França, pois ela é mais pluralista neste ponto, mas na pesquisa anglo-saxã, onde os estudos culturais latino-americanos não são necessariamente aquilo o que está ligado à América Latina.
PCLA – Dessa forma, todas as outras abordagens metodológicas e teóricas ficam esquecidas…
Mattelart – Exato. Ninguém fala delas. Porque o que é tomado como instrumento de difusão de nossas pesquisas são determinadas revistas científicas, e quando vez ou outra sai um número especial sobre a América Latina só se fala dos estudos culturais, e não de um panorama do que acontece realmente. Vou dar um exemplo muito simples: você conhece bem o movimento zapatista, eu nunca vi em uma revista européia um artigo escrito por um latino-americano sobre o zapatismo (risos). Mas é um assunto que está diretamente ligado aos estudos culturais, só que os latino-americanos ainda não trataram desse tema com uma aproximação adequada. Quem poderia fazer isso? Não é Canclini. Ele está no México, mas como um exilado; ele pode dizer algumas coisa, mas não outras. Isso também faz parte da realidade da pesquisa na América Latina. O que nós esquecemos é que, apesar da construção de uma comunidade internacional de pesquisa, na circulação da pesquisa há sempre um jogo de forças intercultural. E minha preocupação é que a cada dia os pesquisadores queiram da América Latina somente os aspectos do que é feito em termos de estudos culturais, como se ela só tivesse isso para dar.
PCLA – Mas nós temos aqui um ponto que precisa ser melhor esclarecido. Pois nas recentes publicações em inglês, Cultural Studies se tornou um grande campo, onde quase todos os fenômenos ligados a Comunicação podem ser colocados em seu interior. O uso do termo difere do conceito que era pretendido pelos primeiros estudiosos de Birminghan.
Mattelart – Pois é. Isso é uma coisa inacreditável. Está tudo misturado. Você já deve ter visto um livro feito por um australiano chamado Simon During, que teve a segunda edição lançada recentemente. Eu estava em Nova York, dei uma folheada no livro e fiquei chocado.
PCLA – Sim, é um livro novo da Routledge, Cultural Studies Reader, uma coletânea enorme com textos que vão de Adorno a Lyotard, passando por Bourdieu, Roland Barthes, Foucault…
Mattelart – Esse mesmo. Segundo o que está lá, tudo é Cultural Studies. Isso é um verdadeiro imperialismo, todas as tradições que falam algo sobre cultura acabam virando Cultural Studies. Não podemos juntar tudo em uma só abordagem; pois eu faço estudos culturais, você também. A única coisa que eles nunca citam é a história. E aqueles estudos que começaram na Inglaterra sob uma dinâmica da história, com (Raymond) Williams, com (Edward P.) Thompson, ficaram para trás; a história para eles são as últimas duas décadas.
PCLA – Há pouco o senhor falou de uma preocupação sobre a tecnicização dos cursos de Comunicação na França, como o senhor vê este problema também na América Latina, em países que ainda enfrentam crises institucionais tão graves? O senhor acha que isso pode afetar a pesquisa em Comunicação na região?
Mattelart – Eu acredito que este é um problema muito sério. A pesquisa latino-americana está ligada também a situação desastrosa das universidades. O perigo é que as instituições públicas não possam mais permitir que seus professores continuem a fazer pesquisa. E isso já um problema que toca o volume de pesquisas, pois, antes de tudo, os pesquisadores precisam viver. E trabalhando em três universidades para ganhar a vida, a pesquisa vira algo secundário. Como me disse outro dia um colega nosso argentino, Guillermo Mastrini, que em um mês só pôde dedicar dois dias para suas pesquisas. Essa é a realidade, e você deve passar pela mesma situação no Brasil. Como isso, a condição do professor/pesquisador se deteriora. E essa situação piorou nos últimos 10 ou 15 anos. A qualidade de vida dos professores caiu. E a isso se junta a idéia da completa privatização do ensino superior. É verdade que há universidades privadas que se dedicam à pesquisa, a Unisinos, no Brasil, por exemplo, reúne muitos pesquisadores…
PCLA – São, sobretudo, as chamadas confessionais, ligadas às igrejas…
Mattelart – Isso mesmo, porque elas têm uma problemática. Mas temos que perguntar se elas têm ainda um dinâmica crítica, talvez individualmente, não sei. Em todo caso, o principal problema na América Latina é a morte, ou a atenuação, do serviço público, e o crescimento das pesquisas ligadas a comunicação organizacional. Acaba ficando tudo muito empírico.
PCLA - Já faz alguns anos que o senhor não direciona suas análises para o que se passa em nível local ou regional na América Latina. Por que esse distanciamento?
Mattelart - É, realmente, há algum tempo que eu não trabalho mais diretamente sobre a América Latina, mas por meio de meus estudos sobre a mundialização, a diversidade cultural e sobretudo sobre a sociedade da informação eu continuo ligado a problemáticas que englobam a América Latina. E mantenho minhas ligações com a América Latina por meio dos cursos que dou com frequência na região. É verdade que não trabalho mais sobre temas ligados diretamente à região, como pude fazer nos anos 80 com Carnaval das Imagens, com Michèlle Mattelart, ou ainda com outra obra que ainda não foi publicada no Brasil, e que foi importante, que poderia ter o título de América Latina e a encruzilhada telemática. Trata-se de uma abordagem sobre os primeiros passos para uma informatização da América Latina, que derivou de uma viagem que fizemos com Héctor Schmucler, financiada pelo Centro Canadense para o Desenvolvimento Internacional. Isso tudo faz com que eu tenha vínculos íntimos com alguns pesquisadores também.
PCLA – E quais são seus próximos projetos com a América Latina?
Mattelart – Acabo de terminar um livro de saiu recentemente no Brasil, História da Sociedade da Informação (publicado pela Loyola). E estou preparando um trabalho com um amigo sobre a evolução da escola dos Cultural Studies e a revolução que causou em âmbito internacional. Isso me preocupa, pois é um problema que não pode ser mitificado."
DICA DE LIVRO FEITA PELO PROFESSOR ALEXANDRE BARBALHO NO 2º DIA DE AULA
Título: Palavras-chave
Título Original: Keywords: a vocabulary of culture and society
Subtítulo: um vocabulário de cultura e sociedade
Autor(a): Raymond Williams
Prefácio: Maria Elisa Cevasco
Posfácio: Francisco Alambert, Marcos Soares, Marcos Dantas, Andrew Milner, Paulo Daniel Farah, Alex Fiúza de Mello, Marcia Tosta Dias, Isleide A. Fontenelle, Celso Frederico, Vladimir Safatle, Flávio Aquiar, Ve
Tradutor(a): Sandra Guardini Vasconcelos
Páginas: 464
Ano de publicação: 2007
“Não se trata de dicionário ou glossário de um assunto acadêmico específico. Não se trata de uma série de notas de rodapé com definições ou histórias dicionarizadas de umas tantas palavras. Trata-se, ao contrário, de uma investigação a respeito de um vocabulário: um conjunto compartilhado de palavras e sentidos em nossas discussões mais gerais, em língua inglesa, sobre as práticas e instituições que agrupamos como cultura e sociedade.”
Raymond Williams
Ao retornar para Cambridge, após servir o exército inglês na II Guerra Mundial, o escritor e crítico literário Raymond Williams estranhou o novo e múltiplo sentido de uma palavra antes pouco usada: cultura. Dessa inquietação com os diferentes sentidos e usos dos termos, além da preocupação com a falsa neutralidade do vocabulário e dos dicionários, nasceu o projeto que resultou em Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade, até hoje inédito no Brasil.
O livro parte da análise inicial de cinco palavras – indústria, democracia, classe, arte e cultura –, cujas alterações de sentido Williams considera fundamentais para entender o pós-guerra. Em torno desse eixo escreveu sobre 131 termos que são analisados em sua origem, evolução e diferenciações de uso, de acordo com correntes acadêmicas, contexto social e idelogias políticas. De alienação a violência, trata de palavras essenciais ao debate acadêmico e político (igualdade, ecologia, genético, hegemonia, história, teoria, nacionalista, racionalista, pragmático).
O trabalho de reconstituição histórica do sentido das palavras demonstra que a linguagem é uma arena de conflitos sociais. Para Williams, é preciso aprender quais foram as opções de sentido derrotadas, quais foram impostas e a serviço do quê para entender e disputar o campo dos sentidos da linguagem.
O livro de Williams era inédito no Brasil, e a tradução foi da professora da USP Sandra Guardini Vasconcelos. Coerentemente com o espírito de Palavras-chave, que conta com um prefácio de Maria Elisa Cevasco, autora de Para ler Raymond Williams, acrescentamos à edição brasileira – na forma de apêndice – verbetes escritos por intelectuais do Brasil e do exterior, que dão conta do vocabulário sobre cultura e sociedade dos anos 1990 até os dias de hoje, como: globalização (Alex Fiúza de Melo), estudos culturais (Andrew Miller), arte como mercadoria (Francisco Alambert), internet (Marcos Dantas), marketing (Isleide Fontenelle), televisão (Venício Lima), estudos pós-coloniais (Paulo Daniel Farah), marxismo (Celso Frederico), teatro (Flávio Aguiar), cinema (Marcos Soares), indústria cultural (Márcia Dias) e multiculturalismo (Vladimir Safatle).
Sobre o autor: O galês Raymond Williams (1921-1988) foi um dos principais nomes na crítica cultural da New Left inglesa do pós-guerra. Estudou literatura, teatro e televisão, tentando compreender tanto a cultura chamada erudita quanto a cultura popular e a indústria cultural. Foi professor em Cambridge e professor-visitante em Stanford. É autor de Culture and Society, The Long Revolution, e Television: Technology and Cultural Form, entre muitos outros. Também escreveu romances e peças de teatro."
Fonte:Texto reproduzido do site da Editora Boitempo
Título Original: Keywords: a vocabulary of culture and society
Subtítulo: um vocabulário de cultura e sociedade
Autor(a): Raymond Williams
Prefácio: Maria Elisa Cevasco
Posfácio: Francisco Alambert, Marcos Soares, Marcos Dantas, Andrew Milner, Paulo Daniel Farah, Alex Fiúza de Mello, Marcia Tosta Dias, Isleide A. Fontenelle, Celso Frederico, Vladimir Safatle, Flávio Aquiar, Ve
Tradutor(a): Sandra Guardini Vasconcelos
Páginas: 464
Ano de publicação: 2007
“Não se trata de dicionário ou glossário de um assunto acadêmico específico. Não se trata de uma série de notas de rodapé com definições ou histórias dicionarizadas de umas tantas palavras. Trata-se, ao contrário, de uma investigação a respeito de um vocabulário: um conjunto compartilhado de palavras e sentidos em nossas discussões mais gerais, em língua inglesa, sobre as práticas e instituições que agrupamos como cultura e sociedade.”
Raymond Williams
Ao retornar para Cambridge, após servir o exército inglês na II Guerra Mundial, o escritor e crítico literário Raymond Williams estranhou o novo e múltiplo sentido de uma palavra antes pouco usada: cultura. Dessa inquietação com os diferentes sentidos e usos dos termos, além da preocupação com a falsa neutralidade do vocabulário e dos dicionários, nasceu o projeto que resultou em Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade, até hoje inédito no Brasil.
O livro parte da análise inicial de cinco palavras – indústria, democracia, classe, arte e cultura –, cujas alterações de sentido Williams considera fundamentais para entender o pós-guerra. Em torno desse eixo escreveu sobre 131 termos que são analisados em sua origem, evolução e diferenciações de uso, de acordo com correntes acadêmicas, contexto social e idelogias políticas. De alienação a violência, trata de palavras essenciais ao debate acadêmico e político (igualdade, ecologia, genético, hegemonia, história, teoria, nacionalista, racionalista, pragmático).
O trabalho de reconstituição histórica do sentido das palavras demonstra que a linguagem é uma arena de conflitos sociais. Para Williams, é preciso aprender quais foram as opções de sentido derrotadas, quais foram impostas e a serviço do quê para entender e disputar o campo dos sentidos da linguagem.
O livro de Williams era inédito no Brasil, e a tradução foi da professora da USP Sandra Guardini Vasconcelos. Coerentemente com o espírito de Palavras-chave, que conta com um prefácio de Maria Elisa Cevasco, autora de Para ler Raymond Williams, acrescentamos à edição brasileira – na forma de apêndice – verbetes escritos por intelectuais do Brasil e do exterior, que dão conta do vocabulário sobre cultura e sociedade dos anos 1990 até os dias de hoje, como: globalização (Alex Fiúza de Melo), estudos culturais (Andrew Miller), arte como mercadoria (Francisco Alambert), internet (Marcos Dantas), marketing (Isleide Fontenelle), televisão (Venício Lima), estudos pós-coloniais (Paulo Daniel Farah), marxismo (Celso Frederico), teatro (Flávio Aguiar), cinema (Marcos Soares), indústria cultural (Márcia Dias) e multiculturalismo (Vladimir Safatle).
Sobre o autor: O galês Raymond Williams (1921-1988) foi um dos principais nomes na crítica cultural da New Left inglesa do pós-guerra. Estudou literatura, teatro e televisão, tentando compreender tanto a cultura chamada erudita quanto a cultura popular e a indústria cultural. Foi professor em Cambridge e professor-visitante em Stanford. É autor de Culture and Society, The Long Revolution, e Television: Technology and Cultural Form, entre muitos outros. Também escreveu romances e peças de teatro."
Fonte:Texto reproduzido do site da Editora Boitempo
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Sinopse:Eu, um Negro & Os Mestres Loucos
"O cineasta e entnólgo Jean Rouch fez quase todos os seus 120 filmes na África, aonde chegou aos 24 anos como engenheiro de estradas. Rouch põe em xeque as noções de ficção e realidade. Sobre Eu, um Negro, rodado na Costa do Marfim, ele diria: Sabia que iríamos mais fundo na verdade se, em vez de termos atores, as pessoas interpretassem a própria vida. O filme segue um grupo de amigos que vive de biscates. Aceitando a proposta de Rouch, cada um imaginou ser um personagem, inventou uma história, encenou-a pela cidade e depois, assistindo às cenas captadas (sem som), recriou as falas que havia improvisado. O tempo não desfez em nada a força desse filme. Tampouco amenizou o impacto de Os Mestres Loucos, rodado em Gana. Num cruzamento desconcertante de religião, história e individualidade psíquica, o filme mostra uma seita cujos membros, em transe, personificam figuras do colonialismo inglês. No auge do ritual de possessão um animal é sacrificado e comido pelos "mestres loucos" - trabalhadores imigrantes que logo retomarão seu cotidiano sem mistério. São 26 minutos em que não despregamos os olhos da tela."
Fonte:Site 2001,O Cinema é Aqui
Fonte:Site 2001,O Cinema é Aqui
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Comunicado:Inadimplência e cancelamento da turma F
Oi, pessoal,
Tudo bem? Infelizmente, se o problema da inadimplência não for resolvido até 28 de fevereiro, teremos que cancelar a turma F, cujo número de inadimplentes é de 75%. Assim, haverá uma única turma, às segundas e quartas, e somente com os alunos que não estiverem devendo.Os alunos da turma E que não regularizarem sua situação também não poderão assistir aula. Os alunos da turma F que estão em dia e que não puderem se transferir para segunda e quarta, favor entrar em contato comigo com a máxima urgência. Essa é a única saída, para não prejudicar os alunos que estão pagando regularmente suas prestações. Um abraço. Márcia Vidal.
Tudo bem? Infelizmente, se o problema da inadimplência não for resolvido até 28 de fevereiro, teremos que cancelar a turma F, cujo número de inadimplentes é de 75%. Assim, haverá uma única turma, às segundas e quartas, e somente com os alunos que não estiverem devendo.Os alunos da turma E que não regularizarem sua situação também não poderão assistir aula. Os alunos da turma F que estão em dia e que não puderem se transferir para segunda e quarta, favor entrar em contato comigo com a máxima urgência. Essa é a única saída, para não prejudicar os alunos que estão pagando regularmente suas prestações. Um abraço. Márcia Vidal.
Encontro Internacional de Imagem Contemporânea
Reunindo estudiosos e realizadores da América Latina e Europa para discutir a imagem na sociedade atual, o Encontro Internacional de Imagem Contemporânea apresentará, de 12 a 17 de abril, em Fortaleza, as diversas maneiras de se pensar e fazer a imagem na atualidade.
O Encontro se propõe, partindo de novas perspectivas de compreensão e produção de imagens, a refletir sobre questões que visam diferentes apostas estéticas, éticas e políticas da imagem na contemporaneidade. Para isso, reúnem-se, em Fortaleza, pesquisadores, professores, estudantes e realizadores/profissionais de várias regiões do Brasil, Argentina, Portugal e França que, ao longo de seis dias, confrontarão diversas linhas de pensamento a cerca do tema.
Envolvendo as imagens contemporâneas com as artes plásticas, o cinema, o vídeo, a fotografia, a performance e as mídias digitais, a abordagem e a essência das discussões promovidas se darão de forma transversal, proporcionando a interdisciplinaridade que o tema requer para ser amplamente discutido. Durante os seis dias serão realizadas mesas de debate, exposições, mostras de filmes, instalações e seleção de trabalhos acadêmicos.
Realizado pelo Mestrado em Comunicação e pela Especialização em Audiovisual em Meios Eletrônicos do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, o Encontro Internacional de Imagem Contemporânea terá como sede o Theatro José de Alencar e os aparelhos culturais da UFC, na cidade de Fortaleza, Brasil."
Fonte:http://www.eiic.ufc.br/
O Encontro se propõe, partindo de novas perspectivas de compreensão e produção de imagens, a refletir sobre questões que visam diferentes apostas estéticas, éticas e políticas da imagem na contemporaneidade. Para isso, reúnem-se, em Fortaleza, pesquisadores, professores, estudantes e realizadores/profissionais de várias regiões do Brasil, Argentina, Portugal e França que, ao longo de seis dias, confrontarão diversas linhas de pensamento a cerca do tema.
Envolvendo as imagens contemporâneas com as artes plásticas, o cinema, o vídeo, a fotografia, a performance e as mídias digitais, a abordagem e a essência das discussões promovidas se darão de forma transversal, proporcionando a interdisciplinaridade que o tema requer para ser amplamente discutido. Durante os seis dias serão realizadas mesas de debate, exposições, mostras de filmes, instalações e seleção de trabalhos acadêmicos.
Realizado pelo Mestrado em Comunicação e pela Especialização em Audiovisual em Meios Eletrônicos do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, o Encontro Internacional de Imagem Contemporânea terá como sede o Theatro José de Alencar e os aparelhos culturais da UFC, na cidade de Fortaleza, Brasil."
Fonte:http://www.eiic.ufc.br/
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
JORNALISTAS,UNI-VOS
Manifesto à Nação
Em defesa do Jornalismo, da Sociedade e da Democracia no Brasil
A sociedade brasileira está ameaçada numa de suas mais expressivas conquistas: o direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar o Recurso Extraordinário (RE) 511961 que, se aprovado, vai desregulamentar a profissão de jornalista, porque elimina um dos seus pilares: a obrigatoriedade do diploma em Curso Superior de Jornalismo para o seu exercício. Vai tornar possível que qualquer pessoa, mesmo a que não tenha concluído nem o ensino fundamental, exerça as atividades jornalísticas.
A exigência da formação superior é uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade, que modificou profundamente a qualidade do Jornalismo brasileiro.
Depois de 70 anos da regulamentação da profissão e mais de 40 anos de criação dos Cursos de Jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do Jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia.
É direito da sociedade receber informação apurada por profissionais com formação teórica, técnica e ética, capacitados a exercer um jornalismo que efetivamente dê visibilidade pública aos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas. Os brasileiros merecem um jornalista que seja, de fato e de direito, profissional, que esteja em constante aperfeiçoamento e que assuma responsabilidades no cumprimento de seu papel social.
É falacioso o argumento de que a obrigatoriedade do diploma ameaça as liberdades de expressão e de imprensa, como apregoam os que tentam derrubá-la. A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas – especialistas, notáveis ou anônimos – se expressem por meio dos veículos de comunicação. O exercício profissional do Jornalismo é, na verdade, a garantia de que a diversidade de pensamento e opinião presentes na sociedade esteja também presente na mídia.
A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática.
Não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação perderá se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no país ficar nas mãos destes interesses particulares. Os brasileiros e, neste momento específico, os Ministros do STF, não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existiam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência, de todos os cidadãos!
Em defesa do Jornalismo, da Sociedade e da Democracia no Brasil
A sociedade brasileira está ameaçada numa de suas mais expressivas conquistas: o direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar o Recurso Extraordinário (RE) 511961 que, se aprovado, vai desregulamentar a profissão de jornalista, porque elimina um dos seus pilares: a obrigatoriedade do diploma em Curso Superior de Jornalismo para o seu exercício. Vai tornar possível que qualquer pessoa, mesmo a que não tenha concluído nem o ensino fundamental, exerça as atividades jornalísticas.
A exigência da formação superior é uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade, que modificou profundamente a qualidade do Jornalismo brasileiro.
Depois de 70 anos da regulamentação da profissão e mais de 40 anos de criação dos Cursos de Jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do Jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia.
É direito da sociedade receber informação apurada por profissionais com formação teórica, técnica e ética, capacitados a exercer um jornalismo que efetivamente dê visibilidade pública aos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas. Os brasileiros merecem um jornalista que seja, de fato e de direito, profissional, que esteja em constante aperfeiçoamento e que assuma responsabilidades no cumprimento de seu papel social.
É falacioso o argumento de que a obrigatoriedade do diploma ameaça as liberdades de expressão e de imprensa, como apregoam os que tentam derrubá-la. A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas – especialistas, notáveis ou anônimos – se expressem por meio dos veículos de comunicação. O exercício profissional do Jornalismo é, na verdade, a garantia de que a diversidade de pensamento e opinião presentes na sociedade esteja também presente na mídia.
A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática.
Não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação perderá se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no país ficar nas mãos destes interesses particulares. Os brasileiros e, neste momento específico, os Ministros do STF, não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existiam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência, de todos os cidadãos!
domingo, 15 de fevereiro de 2009
MEC QUER MUDAR CURRÍCULO DOS CURSOS DE JORNALISMO
"O Ministério da Educação (MEC) criou uma comissão que vai rever e modificar as diretrizes curriculares que orientam os curso de graduação em jornalismo. A comissão foi designada por uma portaria publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira. O ministro Fernando Haddad chegou a comentar a possibilidade de criar cursos de especialização em jornalismo para que formados em outras áreas também possam exercer a profissão. A comissão de especialistas vai funcionar durante 180 dias e terá a primeira reunião no dia 19. Ela foi constituída pela Sesu (Secretaria de Educação Superior). Para a secretária de Educação Superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, as diretrizes em vigor abrangem toda a área de comunicação social e são pouco específicas para a formação em jornalismo.
- A intenção é garantir um melhor processo formativo para o profissional do jornalismo, já que a diversidade e as peculiaridades da profissão não são hoje contempladas pelas atuais diretrizes - afirma. As diretrizes curriculares orientam as instituições de educação superior no processo de formulação do projeto pedagógico de seus cursos de graduação. As diretrizes do curso de jornalismo foram estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2001. "
(Globo Online)
- A intenção é garantir um melhor processo formativo para o profissional do jornalismo, já que a diversidade e as peculiaridades da profissão não são hoje contempladas pelas atuais diretrizes - afirma. As diretrizes curriculares orientam as instituições de educação superior no processo de formulação do projeto pedagógico de seus cursos de graduação. As diretrizes do curso de jornalismo foram estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2001. "
(Globo Online)
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
RESENHA DO LIVRO DO CANCLINI
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2000 (Ensaios Latino-americanos, 1).
Marcos Aurélio Souza*
"Culturas híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade do argentino Néstor Garcia Canclini apresenta uma importante reflexão sobre a problemática da modernidade na América latina. O subtítulo desse livro, nesse caso, não é apenas mero complemento, mas sobretudo, uma poderosa sugestão. A modernidade já não é mais uma via sem saída, é possível entrar nela, assim com é possível e preciso sair dela. Daí, como saída, o autor apresentar questões como: pós-modernidade, hibridação, poderes oblíquos, descoleção e desterritorialização, as quais se configuram, de uma forma muito peculiar, no processo de modernização, estabelecido e estabelecendo-se, tardiamente, no chamado Terceiro Mundo latino.
O livro de Canclini é o primeiro de uma série de publicações, intitulada Ensaios latino-americanos, publicada pela EDUSP, da qual faz parte outros títulos como América Latina do século XIX de Maria Lígia Coelho, Ángel Rama: Literatura e cultura na América Latina de Flávio Aguiar e Sandra Guardini e Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação de Beatriz Sarlo. O professor de História da arte da Universidade do México, com essa publicação, insere-se, também, no rol de vigorosos pensadores da contemporaneidade, a exemplo de Edward Said, Homi Bhabha, Stuart Hall, Kwame Appiah, e o nosso Silviano Santiago, intelectuais sintonizados com a produção multicultural: as relações e trocas simbólicas entre as nações, as diásporas, as novas tecnologias e seu impacto sobre a tradição, os cruzamentos entre o popular e o erudito, as culturas de fronteira etc.
De forma original, Canclini analisa as estratégias de entrada e saída da modernidade, partindo do princípio de que na América latina não há uma firme convicção de que o projeto moderno deva ser o principal objetivo ou o algo a ser alcançado, "como apregoam, políticos, economistas e a publicidade de novas tecnologias" (p.17). Essa convicção tão presente e relevante para o crescimento econômico das chamadas potências mundiais, desestabilizou-se a partir do momento em que se intensificou as relações culturais com países recém independentes do continente americano, na medida em que se cruzaram etnias, linguagens e formas artísticas. Canclini prefere chamar essa nova situação intercultural de hibridação em vez de sincretismo ou mestiçagem, "porque abrange diversas mesclas interculturais - não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo 'mestiçagem' - e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que 'sincretismo', fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais" (p. 19).
O autor transita entre diferentes manifestações culturais e artísticas (muitas delas anônimas): desde passeatas reivindicatórias, passando pela pintura, arquitetura, música, grafite e histórias em quadrinhos até a simbologia dos monumentos. Com isso ele começa a refletir sobre o que chama migrações multidirecionais, relativizadoras do paradigma binário (subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) que tanto balizou a concepção de cultura e poder na modernidade.
Tal reflexão se desenvolve em sete capítulos sem uma linearidade ou um esquema predeterminado, segue um movimento típico do gênero ensaístico, coadunando-se com a postura descentrada do autor: "para tratar dessas questões é inadequada a forma do livro que se desenvolve de um princípio a um final" (p. 28), a forma do ensaio permite, então, "um movimento em vários níveis" (idem). Aproveitando a oportunidade de livre acesso, sem uma preocupação seqüencial, farei, aqui, uma leitura mais detida do sétimo capítulo, intitulado "Culturas híbridas, poderes oblíquos", a fim de mostrar, mais nitidamente, os instrumentos conceituais trabalhados, ou seja, a contribuição teórica do pensamento de Canclini para os estudos contemporâneos nos diversos setores do conhecimento (arte, antropologia, história, comunicação etc.). Esse setores, aliás, perdem suas antigas fronteiras, misturam-se, confundem-se, em consonância com as novas tecnologias comunicacionais da atualidade.
Utilizando a metáfora do videoclip, o autor fala da linguagem das manifestações híbridas que nascem do cruzamento entre culto e o popular. Dessencializa, assim, tanto a idéia de uma tradição autogerada, construída por camadas populares, quanto a noção de arte pura, ou arte erudita. A linguagem paródica, acelerada e descontínua do videoclip representa a desconstrução das ordens habituais, deixando que apareçam as rupturas e justaposições, entre essas duas noções tradicionais de cultura, que culminam em um outro tipo de organização dos dados da realidade. A fim de conter as formas dispersas da modernidade, Canclini investiga o fenômeno da cultura urbana, principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. É na cidade, portanto na realidade urbana, que se processa uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.
O autor nos lembra que a idéia de urbanidade não se opõe a idéia de "mundo rural" ou comunidade, "o predomínio das relações secundárias sobre as primárias, da heterogeneidade sobre a homogeneidade [...] não são atribuíveis unicamente à concentração populacional nas cidades" (p. 285). Dissolver-se na massa e no anonimato é apenas uma das facetas da metrópole, a outra é das comunidades periféricas que criam vínculos locais de afetividade e de condescendência e saem pouco de seus espaços. A questão é que essas estruturas microssociais da urbanidade - o clube, o café , a associação de vizinhos, o comitê político etc. - que antes se interligavam com uma continuidade utópica dos movimentos políticos nacionais, estão cada vez mais desarticuladas enquanto representação política.
Isso se deve, dentre outros fatores, às dificuldades dos grupos políticos para convocarem trabalhos coletivos, não rentáveis ou de duvidoso retorno econômico - e é cada vez mais imperativo o adágio : "tempo é dinheiro". Os critérios mais valorizados são os que se ligam à rentabilidade e eficiência. "O tempo livre dos setores populares, coagidos pelo subemprego e pela deteriorização salarial, é ainda menos livre por ter que preocupar-se com o segundo, ou terceiro trabalho, ou em procurá-los" (p. 288). A maior relevância da mídia, hoje, nesse sentido, é por se tornar a grande mediatizadora ou até substituta de interações coletivas. A participação de camadas periféricas relaciona-se cada vez mais com uma espécie de "democracia audiovisual", em que o real é produzido pela imagens da mídia.
Da idéia de urbanidade e teleparticipação, Canclini passa a investigar a questão da memória histórica, desfazendo a perspectiva linear de que a cultura massiva e midiática substitui a herança do passado e as interações públicas. Nesse sentido, investiga a presença dos monumentos e a sua relação ambivalente em meio as transformações da cidade. O monumentos não são mais os cenários que legitimam o culto do tradicional, "abertos à dinâmica urbana facilitam que a memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais a revitalizam graças à propaganda ou ao trânsito: continuam lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles"(p. 301).
Através das fotos de monumentos mexicanos, o autor ilustra bem a reedição simbólica dessas grandes construções na contemporaneidade. Um cena pré-colombiana de índios pedestres, quase no nível da rua, mistura-se a cena dos pedestres urbanos na capital mexicana. Canclini sugere que a figura heróica de Zapata na cidade de Cuernavaca, esteja lutando contra o trânsito denso que sugere os conflitos a sua enérgica figura. Mostra uma outra representação, mais tosca, do herói mexicano em um povoado "sem cavalo, sem a retórica monumental da luta, levemente irritado, uma cabeça do tamanho da de qualquer homem". O hemiciclo a Juárez na Cidade do México é palco de múltiplas interpretações do herói nacional, o pai do laicismo sustenta as lutas contemporâneas a favor do aborto e manifestação de pais que protestam por seus filhos desaparecidos. "Os monumentos contém freqüentemente vários estilos e referências a diversos períodos históricos e artísticos. Outra hibridação, soma-se logo depois de interagir com o crescimento urbano, a publicidade, os grafites e os movimentos sociais modernos" (p. 300).
Analisando ainda a problemática da cultura urbana, Canclini estuda dois processos diferenciados e complementares de desarticulação cultural: o descolecionamento e a desterritorialização. O primeiro envolve a recusa pós-moderna(1) de se produzir bens culturais colecionáveis, o que seria uma sintoma mais claro de como se desconstituem as classificações que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo. Desaparece cada vez mais a possibilidade de ser culto por conhecer apenas as chamadas "grandes obras"; o ser popular não se constitui mais a partir do conhecimento de bens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada. O intelectual pós-moderno se constitui a partir de sua biblioteca privada, onde livros se misturam com recortes de jornais, informações fragmentárias no "chão regados de papéis disseminados", conforme Benjamim (citado por Canclini, p. 303).
A partir dos novos dispositivos tecnológicos como a fotocopiadora, o videocassete e o vídeo game que não podem ser considerados como cultos ou populares, as coleções se perdem e com elas, as referências semânticas e históricas que amarravam seu sentido. No primeiro dispositivo há a possibilidade do manejo mais livre e fragmentário dos textos e do saber, no segundo é permitido a reorganização de produções audiovisuais tradicionalmente opostas: o nacional e o estrangeiro, o lazer e o trabalho a política e a ficção etc. O terceiro, enfim, desmaterializa e descorporifica o perigo "dando-nos unicamente o prazer de ganhar dos outros ou a possibilidade, ao sermos derrotados, de que tudo fique na perda de moedas numa máquina" (p. 307).
Canclini afirma que o segundo processo, o da desterritorialização, se constitui como mais radical significado de entrada e saída da modernidade. Para ilustrar isso, ele analisa primeiro a trasnacionalização dos mercados simbólicos e as migrações. Nesse sentido desconstrói os antagonismos : colonizador vs. Colonizado e nacionalista e cosmopolita, ao enfatizar a descentralização das empresas e a disseminação dos produtos simbólicos pela eletrônica e pela telemática, "o uso de satélites e computadores na difusão cultural também impedem de continuar vendo os confrontos dos países periféricos como combates frontais com nações geograficamente definidas" (p. 310). É importante esclarecer, para destituir a idéia de maniqueísmo, que a difusão tecnológica também permitiu a países dependentes registrarem um crescimento notável de suas exportações culturais, basta lembrar do crescimento da produção cinematográfica e publicitária do Brasil nos últimos anos.
Outro fator importante para a desterritorialização, é o que o autor chama de migrações multidirecionais, a constância cada vez maior da realidade diaspórica. Tal realidade é muito bem ilustrada pelo seu estudo sobre os conflitos interculturais em Tijuana, fronteira entre o
México e os Estados Unidos. Ele afirma: "várias vezes pensei que essa cidade é , ao lado de Nova Iorque, um dos maiores laboratórios da pós-modernidade"(p. 315) . O caráter multicultural desse local não se expressa apenas no uso do espanhol e do inglês, mas nas relações divergentes e convergentes que se dão entre uma cultura e outra. Ao mesmo tempo há uma tentativa de retorno ao tradicional, ou pelo menos, uma tentativa de reinventá-lo. Em Tijuana, a busca pelo autêntico atende também aos interesses do mercado turístico. Visitantes tiram foto em cima de burros pintados que imitam zebra, ao fundo imagens de várias regiões do México: vulcões, figuras astecas, cactos etc.
Ao final do seu trabalho, Canclini se detém no papel da arte no entendimento da hibridação na América Latina. Cita o manifesto antropófago no Brasil e o grupo Martín Fierro na Argentina, como interpretações de nossa identidade, realizadas, muitas vezes, a partir de elementos estéticos e sociais de outro país - Oswald vê o Brasil no alto do atelier da Place Clichy. Sobre o cosmopolitismo e localismo desses artistas afirma: "O lugar a partir do qual vários artistas latino-americanos escrevem, pintam ou compõe músicas já não é a cidade na qual passaram sua infância, nem tampouco é essa na qual vivem há alguns anos, mas um lugar híbrido, no qual se cruzam os lugares realmente vividos" (p. 327).
Por outro lado, em conseqüência ao processo da descoleção, como já fora explicitado, o artista perde sua áurea como fundador da gestualidade e das mudanças totais e imediatas. As práticas artísticas carecem agora de paradigmas consistentes: o cânone, a genialidade e a erudição são idéias ultrapassadas e pretensiosas. Ao artista ou ao artesão (categorias cada vez menos diferenciadas) restam às vezes as cópias, a possibilidade de repetir peças semelhantes, ou a possibilidade de ir vê-las num museu ou em livros para turistas.
Não vejo nesses pintores, escultores e artistas gráficos a vontade teológica de inventar ou impor um sentido ao mundo. Mas também não há neles o niilismo abissal de Andy Warhol, Rauschemberg e tantos praticantes do bad painting e da transvanguarda. Sua crítica ao gênio artístico, e em alguns ao subjetivismo elitista, não os impede de perceber que estão surgindo outras formas de subjetividade a cargo de novos agentes sociais (ou não tão novos), que há não são exclusivamente brancos, ocidentais e homens. (p. 331)
Como proposta de uma prática artística híbrida, Canclini finaliza seu texto, falando do grafite e dos quadrinhos, gêneros impuros que desde o nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial, e se estabelecem como "lugares de interseção entre o visual e o literário, o culto e o popular" (p. 336). A ambivalência do grafite se constitui, quando, ao mesmo tempo, que serve para afirmar territórios (arte neotribal) de grupos étnicos ou culturais, também desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos da chamada "alta cultura". Os quadrinhos contribuem para mostrar a potencialidade de uma nova narrativa e do dramatismo que pode ser condensado em imagens estáticas. É o estilo mais lido e o ramo da indústria editorial que produz maiores lucros; por sua relação constante com o cotidiano, acaba por revelar referências e contradições da própria contemporaneidade.
Para ilustrar essas manifestações deslocadas, Canclini fala de uma famosa tira de Fontanarrosa, em que um personagem "contrabandista de fronteira" foge da polícia "de 15 países"- o personagem não contrabandeia através de fronteira, mas a própria fronteira: balizas, barreiras, marcos, arames farpados etc. Após vender uma defeituosa, ele tem que se esconder para não ser preso pela Interpol. No final, quando estava sendo perseguido, o personagem acaba por entrar numa manifestação popular, pensando se tratar de uma procissão, porém, na verdade, se tratava de um movimento grevista de policiais. A frase conclusiva que encerra a tira, dita por outro personagem que presencia toda a aflição do protagonista, é emblemática do momento pós-moderno: "A gente nunca sabe onde vai estar metido no dia de amanhã".
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(1)Canclini entende a pós-modernidade "não como uma etapa ou tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ele armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se" (p. 28)."
*Marcos Aurélio Souza, Prof. DLA/UESB, Grupo ICER
Fonte:Texto reproduzido do Projeto Identidade Cultural e Expressões Regionais da Universidade Estadual de Santa Cruz
Marcos Aurélio Souza*
"Culturas híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade do argentino Néstor Garcia Canclini apresenta uma importante reflexão sobre a problemática da modernidade na América latina. O subtítulo desse livro, nesse caso, não é apenas mero complemento, mas sobretudo, uma poderosa sugestão. A modernidade já não é mais uma via sem saída, é possível entrar nela, assim com é possível e preciso sair dela. Daí, como saída, o autor apresentar questões como: pós-modernidade, hibridação, poderes oblíquos, descoleção e desterritorialização, as quais se configuram, de uma forma muito peculiar, no processo de modernização, estabelecido e estabelecendo-se, tardiamente, no chamado Terceiro Mundo latino.
O livro de Canclini é o primeiro de uma série de publicações, intitulada Ensaios latino-americanos, publicada pela EDUSP, da qual faz parte outros títulos como América Latina do século XIX de Maria Lígia Coelho, Ángel Rama: Literatura e cultura na América Latina de Flávio Aguiar e Sandra Guardini e Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação de Beatriz Sarlo. O professor de História da arte da Universidade do México, com essa publicação, insere-se, também, no rol de vigorosos pensadores da contemporaneidade, a exemplo de Edward Said, Homi Bhabha, Stuart Hall, Kwame Appiah, e o nosso Silviano Santiago, intelectuais sintonizados com a produção multicultural: as relações e trocas simbólicas entre as nações, as diásporas, as novas tecnologias e seu impacto sobre a tradição, os cruzamentos entre o popular e o erudito, as culturas de fronteira etc.
De forma original, Canclini analisa as estratégias de entrada e saída da modernidade, partindo do princípio de que na América latina não há uma firme convicção de que o projeto moderno deva ser o principal objetivo ou o algo a ser alcançado, "como apregoam, políticos, economistas e a publicidade de novas tecnologias" (p.17). Essa convicção tão presente e relevante para o crescimento econômico das chamadas potências mundiais, desestabilizou-se a partir do momento em que se intensificou as relações culturais com países recém independentes do continente americano, na medida em que se cruzaram etnias, linguagens e formas artísticas. Canclini prefere chamar essa nova situação intercultural de hibridação em vez de sincretismo ou mestiçagem, "porque abrange diversas mesclas interculturais - não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo 'mestiçagem' - e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que 'sincretismo', fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais" (p. 19).
O autor transita entre diferentes manifestações culturais e artísticas (muitas delas anônimas): desde passeatas reivindicatórias, passando pela pintura, arquitetura, música, grafite e histórias em quadrinhos até a simbologia dos monumentos. Com isso ele começa a refletir sobre o que chama migrações multidirecionais, relativizadoras do paradigma binário (subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) que tanto balizou a concepção de cultura e poder na modernidade.
Tal reflexão se desenvolve em sete capítulos sem uma linearidade ou um esquema predeterminado, segue um movimento típico do gênero ensaístico, coadunando-se com a postura descentrada do autor: "para tratar dessas questões é inadequada a forma do livro que se desenvolve de um princípio a um final" (p. 28), a forma do ensaio permite, então, "um movimento em vários níveis" (idem). Aproveitando a oportunidade de livre acesso, sem uma preocupação seqüencial, farei, aqui, uma leitura mais detida do sétimo capítulo, intitulado "Culturas híbridas, poderes oblíquos", a fim de mostrar, mais nitidamente, os instrumentos conceituais trabalhados, ou seja, a contribuição teórica do pensamento de Canclini para os estudos contemporâneos nos diversos setores do conhecimento (arte, antropologia, história, comunicação etc.). Esse setores, aliás, perdem suas antigas fronteiras, misturam-se, confundem-se, em consonância com as novas tecnologias comunicacionais da atualidade.
Utilizando a metáfora do videoclip, o autor fala da linguagem das manifestações híbridas que nascem do cruzamento entre culto e o popular. Dessencializa, assim, tanto a idéia de uma tradição autogerada, construída por camadas populares, quanto a noção de arte pura, ou arte erudita. A linguagem paródica, acelerada e descontínua do videoclip representa a desconstrução das ordens habituais, deixando que apareçam as rupturas e justaposições, entre essas duas noções tradicionais de cultura, que culminam em um outro tipo de organização dos dados da realidade. A fim de conter as formas dispersas da modernidade, Canclini investiga o fenômeno da cultura urbana, principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. É na cidade, portanto na realidade urbana, que se processa uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.
O autor nos lembra que a idéia de urbanidade não se opõe a idéia de "mundo rural" ou comunidade, "o predomínio das relações secundárias sobre as primárias, da heterogeneidade sobre a homogeneidade [...] não são atribuíveis unicamente à concentração populacional nas cidades" (p. 285). Dissolver-se na massa e no anonimato é apenas uma das facetas da metrópole, a outra é das comunidades periféricas que criam vínculos locais de afetividade e de condescendência e saem pouco de seus espaços. A questão é que essas estruturas microssociais da urbanidade - o clube, o café , a associação de vizinhos, o comitê político etc. - que antes se interligavam com uma continuidade utópica dos movimentos políticos nacionais, estão cada vez mais desarticuladas enquanto representação política.
Isso se deve, dentre outros fatores, às dificuldades dos grupos políticos para convocarem trabalhos coletivos, não rentáveis ou de duvidoso retorno econômico - e é cada vez mais imperativo o adágio : "tempo é dinheiro". Os critérios mais valorizados são os que se ligam à rentabilidade e eficiência. "O tempo livre dos setores populares, coagidos pelo subemprego e pela deteriorização salarial, é ainda menos livre por ter que preocupar-se com o segundo, ou terceiro trabalho, ou em procurá-los" (p. 288). A maior relevância da mídia, hoje, nesse sentido, é por se tornar a grande mediatizadora ou até substituta de interações coletivas. A participação de camadas periféricas relaciona-se cada vez mais com uma espécie de "democracia audiovisual", em que o real é produzido pela imagens da mídia.
Da idéia de urbanidade e teleparticipação, Canclini passa a investigar a questão da memória histórica, desfazendo a perspectiva linear de que a cultura massiva e midiática substitui a herança do passado e as interações públicas. Nesse sentido, investiga a presença dos monumentos e a sua relação ambivalente em meio as transformações da cidade. O monumentos não são mais os cenários que legitimam o culto do tradicional, "abertos à dinâmica urbana facilitam que a memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais a revitalizam graças à propaganda ou ao trânsito: continuam lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles"(p. 301).
Através das fotos de monumentos mexicanos, o autor ilustra bem a reedição simbólica dessas grandes construções na contemporaneidade. Um cena pré-colombiana de índios pedestres, quase no nível da rua, mistura-se a cena dos pedestres urbanos na capital mexicana. Canclini sugere que a figura heróica de Zapata na cidade de Cuernavaca, esteja lutando contra o trânsito denso que sugere os conflitos a sua enérgica figura. Mostra uma outra representação, mais tosca, do herói mexicano em um povoado "sem cavalo, sem a retórica monumental da luta, levemente irritado, uma cabeça do tamanho da de qualquer homem". O hemiciclo a Juárez na Cidade do México é palco de múltiplas interpretações do herói nacional, o pai do laicismo sustenta as lutas contemporâneas a favor do aborto e manifestação de pais que protestam por seus filhos desaparecidos. "Os monumentos contém freqüentemente vários estilos e referências a diversos períodos históricos e artísticos. Outra hibridação, soma-se logo depois de interagir com o crescimento urbano, a publicidade, os grafites e os movimentos sociais modernos" (p. 300).
Analisando ainda a problemática da cultura urbana, Canclini estuda dois processos diferenciados e complementares de desarticulação cultural: o descolecionamento e a desterritorialização. O primeiro envolve a recusa pós-moderna(1) de se produzir bens culturais colecionáveis, o que seria uma sintoma mais claro de como se desconstituem as classificações que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo. Desaparece cada vez mais a possibilidade de ser culto por conhecer apenas as chamadas "grandes obras"; o ser popular não se constitui mais a partir do conhecimento de bens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada. O intelectual pós-moderno se constitui a partir de sua biblioteca privada, onde livros se misturam com recortes de jornais, informações fragmentárias no "chão regados de papéis disseminados", conforme Benjamim (citado por Canclini, p. 303).
A partir dos novos dispositivos tecnológicos como a fotocopiadora, o videocassete e o vídeo game que não podem ser considerados como cultos ou populares, as coleções se perdem e com elas, as referências semânticas e históricas que amarravam seu sentido. No primeiro dispositivo há a possibilidade do manejo mais livre e fragmentário dos textos e do saber, no segundo é permitido a reorganização de produções audiovisuais tradicionalmente opostas: o nacional e o estrangeiro, o lazer e o trabalho a política e a ficção etc. O terceiro, enfim, desmaterializa e descorporifica o perigo "dando-nos unicamente o prazer de ganhar dos outros ou a possibilidade, ao sermos derrotados, de que tudo fique na perda de moedas numa máquina" (p. 307).
Canclini afirma que o segundo processo, o da desterritorialização, se constitui como mais radical significado de entrada e saída da modernidade. Para ilustrar isso, ele analisa primeiro a trasnacionalização dos mercados simbólicos e as migrações. Nesse sentido desconstrói os antagonismos : colonizador vs. Colonizado e nacionalista e cosmopolita, ao enfatizar a descentralização das empresas e a disseminação dos produtos simbólicos pela eletrônica e pela telemática, "o uso de satélites e computadores na difusão cultural também impedem de continuar vendo os confrontos dos países periféricos como combates frontais com nações geograficamente definidas" (p. 310). É importante esclarecer, para destituir a idéia de maniqueísmo, que a difusão tecnológica também permitiu a países dependentes registrarem um crescimento notável de suas exportações culturais, basta lembrar do crescimento da produção cinematográfica e publicitária do Brasil nos últimos anos.
Outro fator importante para a desterritorialização, é o que o autor chama de migrações multidirecionais, a constância cada vez maior da realidade diaspórica. Tal realidade é muito bem ilustrada pelo seu estudo sobre os conflitos interculturais em Tijuana, fronteira entre o
México e os Estados Unidos. Ele afirma: "várias vezes pensei que essa cidade é , ao lado de Nova Iorque, um dos maiores laboratórios da pós-modernidade"(p. 315) . O caráter multicultural desse local não se expressa apenas no uso do espanhol e do inglês, mas nas relações divergentes e convergentes que se dão entre uma cultura e outra. Ao mesmo tempo há uma tentativa de retorno ao tradicional, ou pelo menos, uma tentativa de reinventá-lo. Em Tijuana, a busca pelo autêntico atende também aos interesses do mercado turístico. Visitantes tiram foto em cima de burros pintados que imitam zebra, ao fundo imagens de várias regiões do México: vulcões, figuras astecas, cactos etc.
Ao final do seu trabalho, Canclini se detém no papel da arte no entendimento da hibridação na América Latina. Cita o manifesto antropófago no Brasil e o grupo Martín Fierro na Argentina, como interpretações de nossa identidade, realizadas, muitas vezes, a partir de elementos estéticos e sociais de outro país - Oswald vê o Brasil no alto do atelier da Place Clichy. Sobre o cosmopolitismo e localismo desses artistas afirma: "O lugar a partir do qual vários artistas latino-americanos escrevem, pintam ou compõe músicas já não é a cidade na qual passaram sua infância, nem tampouco é essa na qual vivem há alguns anos, mas um lugar híbrido, no qual se cruzam os lugares realmente vividos" (p. 327).
Por outro lado, em conseqüência ao processo da descoleção, como já fora explicitado, o artista perde sua áurea como fundador da gestualidade e das mudanças totais e imediatas. As práticas artísticas carecem agora de paradigmas consistentes: o cânone, a genialidade e a erudição são idéias ultrapassadas e pretensiosas. Ao artista ou ao artesão (categorias cada vez menos diferenciadas) restam às vezes as cópias, a possibilidade de repetir peças semelhantes, ou a possibilidade de ir vê-las num museu ou em livros para turistas.
Não vejo nesses pintores, escultores e artistas gráficos a vontade teológica de inventar ou impor um sentido ao mundo. Mas também não há neles o niilismo abissal de Andy Warhol, Rauschemberg e tantos praticantes do bad painting e da transvanguarda. Sua crítica ao gênio artístico, e em alguns ao subjetivismo elitista, não os impede de perceber que estão surgindo outras formas de subjetividade a cargo de novos agentes sociais (ou não tão novos), que há não são exclusivamente brancos, ocidentais e homens. (p. 331)
Como proposta de uma prática artística híbrida, Canclini finaliza seu texto, falando do grafite e dos quadrinhos, gêneros impuros que desde o nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial, e se estabelecem como "lugares de interseção entre o visual e o literário, o culto e o popular" (p. 336). A ambivalência do grafite se constitui, quando, ao mesmo tempo, que serve para afirmar territórios (arte neotribal) de grupos étnicos ou culturais, também desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos da chamada "alta cultura". Os quadrinhos contribuem para mostrar a potencialidade de uma nova narrativa e do dramatismo que pode ser condensado em imagens estáticas. É o estilo mais lido e o ramo da indústria editorial que produz maiores lucros; por sua relação constante com o cotidiano, acaba por revelar referências e contradições da própria contemporaneidade.
Para ilustrar essas manifestações deslocadas, Canclini fala de uma famosa tira de Fontanarrosa, em que um personagem "contrabandista de fronteira" foge da polícia "de 15 países"- o personagem não contrabandeia através de fronteira, mas a própria fronteira: balizas, barreiras, marcos, arames farpados etc. Após vender uma defeituosa, ele tem que se esconder para não ser preso pela Interpol. No final, quando estava sendo perseguido, o personagem acaba por entrar numa manifestação popular, pensando se tratar de uma procissão, porém, na verdade, se tratava de um movimento grevista de policiais. A frase conclusiva que encerra a tira, dita por outro personagem que presencia toda a aflição do protagonista, é emblemática do momento pós-moderno: "A gente nunca sabe onde vai estar metido no dia de amanhã".
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(1)Canclini entende a pós-modernidade "não como uma etapa ou tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ele armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se" (p. 28)."
*Marcos Aurélio Souza, Prof. DLA/UESB, Grupo ICER
Fonte:Texto reproduzido do Projeto Identidade Cultural e Expressões Regionais da Universidade Estadual de Santa Cruz
UMA SUGESTÃO PARA AJUDAR A TODOS
Nota-se o marasmo e a monotonia dentro de sala de aula.Não só pelo esvaziamento.Todos não comentam mais sobre os seus objetos de estudo.As aulas têm sido produtivas,porém,percebe-se que o conteúdo não está sendo direcionado como deveria para descobertas teóricas e acadêmicas das nossas monografias e projetos de Mestrado.Portando,ao conversar com a Luciene,compactuamos da mesma idéia de nos reunirmos,todo sábado,numa sala,biblioteca,ou outro local,para estudarmos,trocarmos idéias.Ou melhor,ajudarmos.O que vocês acham? Um grupo de estudo para dar ânimo aos nossos estudos e,assim,disciplinarmos os nossos objetivos.Logo,aguardo respostas.Pode ser na própria postagem abaixo ou no comentário.Bastar dizer a opinião sobre a sugestão,colocando um sim ou não para iniciativa.
Marcellus Rocha
Marcellus Rocha
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
CONVOCAÇÃO:Show de Lenine encerra Pré-Carnaval de Fortaleza
O fim do Pré-Carnaval de Rua de Fortaleza 2009 será em grande estilo. Se durante quase dois meses foram mais de 80 blocos que colocaram a folia na rua, é no próximo sábado (14 de fevereiro), que a Prefeitura de Fortaleza, através da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), bota Lenine no palco armado na Praia de Iracema, próximo à Caixa D’água dos Peixinhos, a partir das 22h, para fechar a festa popular com chave de ouro.
E o músico pernambucano chega à Fortaleza com gosto de gás para avisar que fim de Pré-Carnaval é só o começo da folia momina. Para a cidade, Lenine traz o vigoroso show "Labiata" (homônimo ao mais recente CD), no qual o artista apresenta canções mais autorais, resultados de parcerias antigas, como com o cearense Pantico Rocha, Lula Queiroga, Arnaldo Antunes e Pedro Luís e a Parede. O show/CD é todo marcado pela reverência aos ritmos tradicionais pernambucanos, mas tudo com os acentos pop-roqueiros que são a marca do artista.
O repertório também faz um passeio pela carreira de Lenine, resgatando canções como "Acredite ou não", "O dia em que faremos contato", "Lá e Lô", "Lavadeira do rio", além de sucessos mais recentes como "Do it" e "Todas elas juntas num só ser". "E é claro que no bis faremos uma festa com canções mais conhecidas", promete o artista.
E quando ele der os últimos acordes em seu violão, os blocos de Pré-Carnaval ainda vão botar suas bandas e charangas para esquentar a cidade ao som de muitos sambas e marchinhas. Neste fim-de-semana, mais de 60 ainda vão às ruas levar alegria e empolgação; sentimentos que vão pulsar até à chegada do Carnaval de Rua de Fortaleza, festa que este ano tem o tema "Baião de Todos: uma homenagem a Humberto Teixeira" e acontece em três polos: um na Av. Domingos Olímpio, com os desfiles das agremiações contempladas no Edital de Fomento às Agremiações Carnavalescas para o Carnaval de Rua de Fortaleza 2009; um na Praia de Iracema, onde acontecerão shows de grandes nomes da MPB, como Beth Carvalho, Dominguinhos, Chico César e Elza Soares; e outro no Bar da Mocinha, uma forma de homenagear em vida uma das maiores entusiastas e incentivadoras do samba e do Carnaval na cidade."
Fonte:Texto reproduzido do Portal da Prefeitura de Fortaleza
E o músico pernambucano chega à Fortaleza com gosto de gás para avisar que fim de Pré-Carnaval é só o começo da folia momina. Para a cidade, Lenine traz o vigoroso show "Labiata" (homônimo ao mais recente CD), no qual o artista apresenta canções mais autorais, resultados de parcerias antigas, como com o cearense Pantico Rocha, Lula Queiroga, Arnaldo Antunes e Pedro Luís e a Parede. O show/CD é todo marcado pela reverência aos ritmos tradicionais pernambucanos, mas tudo com os acentos pop-roqueiros que são a marca do artista.
O repertório também faz um passeio pela carreira de Lenine, resgatando canções como "Acredite ou não", "O dia em que faremos contato", "Lá e Lô", "Lavadeira do rio", além de sucessos mais recentes como "Do it" e "Todas elas juntas num só ser". "E é claro que no bis faremos uma festa com canções mais conhecidas", promete o artista.
E quando ele der os últimos acordes em seu violão, os blocos de Pré-Carnaval ainda vão botar suas bandas e charangas para esquentar a cidade ao som de muitos sambas e marchinhas. Neste fim-de-semana, mais de 60 ainda vão às ruas levar alegria e empolgação; sentimentos que vão pulsar até à chegada do Carnaval de Rua de Fortaleza, festa que este ano tem o tema "Baião de Todos: uma homenagem a Humberto Teixeira" e acontece em três polos: um na Av. Domingos Olímpio, com os desfiles das agremiações contempladas no Edital de Fomento às Agremiações Carnavalescas para o Carnaval de Rua de Fortaleza 2009; um na Praia de Iracema, onde acontecerão shows de grandes nomes da MPB, como Beth Carvalho, Dominguinhos, Chico César e Elza Soares; e outro no Bar da Mocinha, uma forma de homenagear em vida uma das maiores entusiastas e incentivadoras do samba e do Carnaval na cidade."
Fonte:Texto reproduzido do Portal da Prefeitura de Fortaleza
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Butler e a desconstrução do gênero
Butler e a desconstrução do gênero
Carla Rodrigues
NoMínimo, www.nominimo.com.br
Fonte: Rev. Estud. Fem. vol.13 no.1 Florianópolis Jan./Apr. 2005
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
BUTLER, Judith P.
Tradução de Renato Aguiar.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. 236 p.
Dito de forma muito resumida, Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade desconstruiu o conceito de gênero no qual está baseada toda a teoria feminista. A divisão sexo/gênero funciona como uma espécie de pilar fundacional da política feminista e parte da idéia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. Essa é a premissa que Judith Butler problematizava no livro, primeiro da autora traduzido no Brasil (foi lançado nos Estados Unidos em 1990) e ainda hoje reconhecido como sua obra mais importante. Discutir essa dualidade foi o ponto de partida para que a pensadora questionasse o conceito de mulheres como sujeito do feminismo.
O par sexo/gênero foi um dos pontos de partida fundamentais (talvez fosse melhor dizer fundacionais) da política feminista. O desmonte da concepção de gênero seria o desmonte de uma equação na qual o gênero seria concebido como o sentido, a essência, a substância, categorias que só funcionariam dentro da metafísica que Butler também questionou. Assim como Derrida desmontou a estrutura binária significante/significado e a unidade do signo,1 e fez com isso uma crítica à metafísica e às filosofias do sujeito, Butler desmontou dualidade sexo/gênero e fez uma crítica ao feminismo como categoria que só poderia funcionar dentro do humanismo.2 Para refletir sobre os efeitos dessa desconstrução, é fundamental entender desconstrução não como desmonte ou destruição.3
Repensar teoricamente a "identidade definida" das mulheres como categoria a ser defendida e emancipada no movimento feminista parece ter sido a principal tarefa de Butler. O problema que ela apontou foi o da inexistência desse sujeito que o feminismo quer representar. Esse era um debate acadêmico preexistente no qual Butler se inseriu como uma das pensadoras que, de alguma forma, radicalizou aquilo que a teoria feminista já problematizava. Nessa discussão sobre a identidade das mulheres que Butler reconhecia já estar posta - o livro é de 1990 - a filósofa acrescentou a crítica ao modelo binário, que foi fundamental na discussão que a autora levantou a respeito da distinção sexo/gênero.
O conceito de gênero como culturamente construído, distinto do de sexo, como naturalmente adquirido, formaram o par sobre o qual as teorias feministas inicialmente se basearam para defender perspectivas "desnaturalizadoras" sob as quais se dava, no senso comum, a associação do feminino com fragilidade ou submissão, e que até hoje servem para justificar preconceitos.4 O principal embate de Butler foi com a premissa na qual se origina a distinção sexo/gênero: sexo é natural e gênero é construído. O que Butler afirmou foi que, "nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino" (p. 26). Para a contestação dessas características ditas naturalmente femininas, o par sexo/gênero serviu às teorias feministas até meados da década de 1980, quando começou a ser questionado.
Butler apontou para o fato de que, embora a teoria feminista considere que há uma unidade na categoria mulheres, paradoxalmente introduz uma divisão nesse sujeito feminista. Butler quis retirar da noção de gênero a idéia de que ele decorreria do sexo e discutir em que medida essa distinção sexo/gênero é arbitrária. Butler chamou a atenção para o fato de a teoria feminista não problematizar outro vínculo considerado natural: gênero e desejo. Até que ponto se poderia identificar aqui a mesma crítica derridiana do caráter arbitrário do signo, como uma falsa unidade na teoria de Saussure, como uma premissa nunca antes contestada? É o que identificamos quando Butler afirma: "talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma" (p. 25). Butler indicava, assim, que o sexo não é natural, mas é ele também discursivo e cultural como o gênero.
Para Butler, a teoria feminista que defende a identidade dada pelo gênero e não pelo pelo sexo escondia a aproximação entre gênero e essência, entre gênero e substância. Segundo Butler, aceitar o sexo como um dado natural e o gênero como um dado construído, determinado culturalmente, seria aceitar também que o gênero expressaria uma essência do sujeito. Ela defendeu que haveria nessa relação uma "unidade metafísica" e chamou essa relação de paradigma expressivo autêntico, "no qual se diz que um eu verdadeiro é simultâneo ou sucessivamente revelado no sexo, no gênero e no desejo" (p. 45). O que Butler parece ter indagado foi, afinal, quando acontece essa construção do gênero? Foi em função dessa questão que ela discutiu (ou desconstruiu) várias das teorias feministas sobre gênero.
No livro, a autora estabelece interlocuções com diferentes autoras, entre as quais destaca-se Simone de Beauvoir. No debate com Beauvoir, Butler indica os limites dessas análises de gênero que, segundo ela, "pressupõem e definem por antecipação as possibilidades das configurações imagináveis e realizáveis de gênero na cultura" (p. 28). Partindo da emblemática afirmação "A gente não nasce mulher, torna-se mulher", Butler aponta para o fato de que "não há nada em sua explicação [de Beauvoir] que garanta que o 'ser' que se torna mulher seja necessariamente fêmea" (p. 27).
Nessa tentativa de "desnaturalizar" o gênero, Butler propunha libertá-lo daquilo que ela chama - em uma referência a Nietzsche - de metafísica da substância. Segundo Butler, na maioria das teorias feministas o sexo é aceito como substância, como aquilo que é idêntico a si mesmo, em uma proposição metafísica. Para ela, a posição feminista humanista entende gênero como "atributo" de pessoa, "caracterizada essencialmente como uma substância ou um 'núcleo' de gênero preestabelecido, denominado pessoa" (p. 29). O que Butler argumentou foi que, ao contrário do que defendiam as teorias feministas, o gênero seria um fenômento inconstante e contextual, que não denotaria um ser substantivo, "mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes" (p. 29).
Foi pelo caminho da crítica às dicotomias que a divisão sexo/gênero produz que Butler chegou até a crítica do sujeito e contribuiu para o desmonte da idéia de um sujeito uno. Note-se que Butler não recusa completamente a noção de sujeito, mas propõe a idéia de um gênero como efeito no lugar de um sujeito centrado. Nas palavras de Butler, essa possibilidade se apresenta: "A presunção aqui é que o 'ser' um gênero é um efeito" (p. 58, grifo da autora). Aceitar esse caráter de efeito seria aceitar que a identidade ou a essência são expressões, e não um sentido em si do sujeito.
Aqui, antes de avançar no pensamento de Butler, vale discutir qual o significado de différance para Derrida. Uma definição relativamente simples explica différance primeiro pelo que ela não é: "Não é nenhuma diferença particular ou qualquer tipo privilegiado de diferença, mas sim uma diferencialidade primeira em função da qual tudo o que se dá só se dá, necessariamente, em um regime de diferenças (e, portanto, de relação com a alteridade)".5 Em outras palavras, nada é em si mesmo, tudo só existe em um processo de diferenciação. Assim, a identidade não é algo, mas é efeito que se manifesta em um regime de diferenças, num jogo de referências. Para Derrida, por exemplo, na linguagem só existem significantes, que se expressam em uma relação de remetimentos. Butler diz que não existe uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero, e que a identidade é performativamente constituída. O que Derrida diz sobre o signo é que não há significado por trás do significante, e que o sentido é efeito constituído por uma cadeia de significantes.
Em relação à différance, diz Butler: "A ruptura pós-estruturalista com Saussure e com as estruturas identitárias de troca encontradas em Lévi-Strauss refuta as afirmações de totalidade e universalidade, bem como a presunção de oposições estruturais binárias a operarem implicitamente no sentido de subjugar a ambigüidade e a abertura insistente da significação lingüística e cultural. Como resultado, a discrepância entre significante e significado torna-se a différance operativa e ilimitada da linguagem, transformando toda a referência em deslocamento potencialmente ilimitado" (p. 70).
Política e representação
Cabe ressaltar que Butler estava problematizando o conceito mulheres, mesmo quando utilizado no plural, em uma tentativa de abarcar outros cruzamentos como raça, etnia, idade, etc., ou seja, a adesão ao plural não satisfazia Butler, que ainda enxergava uma normatização nessa troca da categoria mulher para mulheres. Butler apontava para a possibilidade de haver política sem que seja necessária a constituição de uma identidade fixa, de um sujeito a ser representado, para que essa política se legitime. Ao mesmo tempo, ela propôs repensar as restrições que a teoria feminista enfrenta quando tenta representar mulheres. Butler afirmou que o sujeito feminino poderia deixar de ser o motor da política feminista, o que traria muitos problemas, como ela mesma reconhece, quando diz: "Sem um conceito unificado de mulher ou, minimamente, uma similaridade de tipo familiar entre os termos relacionados pelo gênero, a política feminista parece perder a base categórica de suas próprias afirmações normativas. Quem constitui o 'quem', o sujeito para o qual o feminismo busca uma libertação? Se não existe sujeito, a quem vamos emancipar?"6 Butler mantém uma crítica ao que ela considera uma exigência da política: a presença de um sujeito estável. "Afirmar que a política exige um sujeito estável é afirmar que não pode haver oposição política a essa afirmação", diz Butler,7 que defendeu a distinção entre recusar a existência do sujeito como premissa e recusar completamente a noção de sujeito.
Butler estaria tentando deslocar o feminismo do campo do humanismo, como prática política que pressupõe o sujeito como identidade fixa, para algo que deixe em aberto a questão da identidade, algo que não organize a pluraridade, mas a mantenha aberta sob permanente vigilância. Nas palavras de Butler: "A desconstrução da identidade não é a desconstrução da política; ao invés disso, ela estabelece como políticos os próprios termos pelos quais a identidade é articulada. Esse tipo de crítica põe em questão a estrutura fundante em que o feminismo, como política de identidade, vem-se articulando. O paradoxo interno desse fundacionismo é que ele presume, fixa e restringe os próprios sujeitos que espera representar e libertar" (p. 213).
O paradoxo que ela aponta nos impediria de pensar o sujeito como um devir permanente, como um processo ou uma promessa. Mas esse sujeito seria também irrepresentável? Com que conseqüências? Existiria alguma possibilidade de ganho nessa libertação? Butler parece defender que sim quando afirma: "Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um silogismo político, e se a política não fosse mais compreendida como um conjunto de práticas derivadas dos supostos interesses de sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria certamente das ruínas da antiga" (p. 213).
Em texto em que exploram as ligações entre o feminismo e o pós-modernismo, Nancy Fraser e Linda J. Nicholson8 também defendem a idéia de um novo feminismo, e, ainda que as propostas dessas duas autoras possam não ser semelhantes às de Butler, vai se tentar aqui uma breve exposição das idéias do artigo. Primeiro, elas fazem uma leitura de A condição pós-moderna.9 Segundo interpretação de Fraser e Nicholson, a principal pergunta de Lyotard é: "onde está a legitimação na era pós-moderna?" A resposta de Lyotard, ainda segundo elas, seria de que, "na era pós-moderna, a legitimação se faz plural, local e imanente". Fraser e Nicholson propõem uma aproximação da teoria feminista ao pós-modernismo, batizado de pós-feminismo, que "deixaria de lado a idéia de sujeito da história. Substituiria as noções unitárias de mulher e identidade genérica feminina por conceitos de identidade social que são plurais e de constituição complexa, e nos quais o gênero seria somente um traço relevante entre outros".10 Escapar da política representacional criaria pelo menos um problema: a questão da legitimidade que as duas apontam. Exigir sujeitos estáveis para fazer política cria um pressuposto fixo a uma realidade instável, conforme critica Butler.
Um dos desdobramentos do pensamento de Butler seria o fortalecimento das teorias queer, dos movimentos de gays, lésbicas e transgêneros e de um certo abandono do feminismo como uma bandeira ultrapassada. Mas essa saída também está sob interrogação. Em 1998, Judith Butler11 e Nancy Fraser12 estabeleceram, nas páginas da New Left Review, um debate sobre o lugar do feminismo na esquerda e no contexto do capitalismo tardio. Sobre esse debate, há um interessante artigo de Claudia Bacci, Laura Fernández e Alejandra Oberti.13 A desconstrução de gênero, em Butler, é freqüentemente apontada como um fator de esvaziamento dos estudos feministas em prol da chamada queer theory. Parece relevante registrar que a própria Butler discute esse aspecto da dissociação entre feminismo e queer theory em entrevista14 concedida a Peter Osborne e Lynne Segal, na qual ela alerta para os perigos desse "anti-feminismo" e diz: "Me parece que combater a dualidade sexo/gênero através da teoria queer, dissociando essa teoria do feminismo, é um grande erro".
Problemas de gênero foi publicado pela Civilização Brasileira na coleção Sujeito e História, coordenada pelo psicanalista Joel Birmann. No seu trabalho seguinte, Bodies that Matter, publicado nos Estados Unidos em 1993, Butler aprofunda diversas questões levantadas em Problemas de gênero, mas o livro ainda não tem previsão de publicação no Brasil. Sobre Bodies that Matter, há uma esclarecedora entrevista de Butler publicada na Revista de Estudos Feministas.15 A introdução de Bodies that Matter está traduzida em O corpo educado.16
Notas
1 Jacques DERRIDA, 2004.
2 Toma-se aqui a definição de humanismo em Martin HEIDEGGER, 1991: "[...] qualquer humanismo permanece metafísico. Na determinação da humanidade do homem, o humanismo não só deixa de questionar a relação do ser com o ser humano, mas o humanismo tolhe mesmo esta questão, pelo fato de, por causa de sua origem metafísica, não a reconhecer, nem a compreender. [...] O primeiro humanismo, a saber o romano, e todos os tipos do humanismo que, desde então até o presente, têm surgido, pressupõe como óbvia a 'essência' mais universal do homem" (p. 8-9).
3 "A origem do termo 'desconstrução' vem de Heidegger, que propôs, no período inicial de sua trajetória, um projeto filosófico chamado destruição da metafísica, o qual, por sua vez, procurava libertar os conceitos herdados da tradição que haviam se enrijecido - há muito sedimentadas pelo hábito de sua transmissão -, e retorná-los à experiência de pensamento original. Tratava-se, portanto, de um projeto em nada destrutivo, no sentido de um simples aniquilamento, e que Heidegger pôde nomear com a palavra alemã Destruktion. Ao passar para o francês, Derrida percebeu ser impossível evitar esta conotação fortemente negativa da palavra 'destruição'; o termo 'desconstrução' lhe pareceu então mais apropriado para captar essa idéia inicial contida no projeto de Heidegger, o que não quer dizer que a desconstrução seja uma simples repetição do projeto heideggeriano" (Paulo Cesar DUQUE-ESTRADA, 2005).
4 Em janeiro de 2005, o diretor da Universidade de Harvard, Lawrence H. Summers, sugeriu, em conferência, que diferenças biológicas entre os sexos poderiam explicar por que poucas mulheres são bem-sucedidas nas ciências e nas matemáticas. Publicada no New York Times e transcrita no jornal O Globo, na página 31, em 19 de janeiro de 2005, gerou debates na imprensa nacional e internacional.
5 DUQUE-ESTRADA, 2004.
6 Judith BUTLER, 1992. O livro do qual o ensaio de Judith Butler faz parte é uma compilação de quatro dos sete ensaios do livro original Feminism/postmodernism, publicado por Routledge (Nova York e Londres, 1990). Tradução para o espanhol de Márgara Averbach: "Sin un concepto unificado de mujer o, mínimamente, una similaridad de tipo familiar entre los términos relacionados por su género, la política feminista parece perder la base categórica de suas propias afirmaciones normativas. ¿Qué constituye el 'quién', el sujeto, para el que el feminismo busca la libéracion? Si no hay sujeto ¿qué vamos emancipar ?" (p. 78-79).
7 BUTLER, 1998.
8 FRASER e NICHOLSON, 1992.
9 Jean-François LYOTARD, 2002.
10 "Finalmente, la teoría feminista posmoderna dejaría de lado la idea de un sujeto de historia. Reemplazaría las nociones unitarias de mujer e identidad genérica femenina por conceptos de identidad social que fueran plurales y de construcción compleja, y en los cuales el género fuera solamente un hilo relevante entre otros" (p. 26 da edição argentina, de 2001). A tradução para o português é minha. Tradução para o espanhol de Márgara Averbach. O livro é uma complilação de quatro dos sete ensaios do livro original Feminism/postmodernism, publicado por Routledge (Nova York e Londres, 1990).
11 BUTLER, 1998.
12 FRASER, 1998.
13 BACCI, FERNÁNDEZ e OBERTI, 2005.
14 BUTLER, 2005. Butler: "I would say that I'm a feminist theorist before I'm a queer theorist or a gay and lesbian theorist. My commitments to feminism are probably my primary commitments. Gender Trouble was a critique of compulsory heterosexuality within feminism, and it was feminists that were my intended audience. At the time I wrote the text there was no gay and lesbian studies, as I understood it. When the book came out, the Second Annual Conference of Lesbian and Gay Studies was taking place in the USA, and it got taken up in a way that I could never have anticipated. I remember sitting next to someone at a dinner party, and he said that he was working on queer theory. And I said: What's queer theory? He looked at me like I was crazy, because he evidently thought that I was a part of this thing called queer theory. But all I knew was that Teresa de Lauretis had published an issue of the journal Differences called 'Queer Theory'. I thought it was something she had put together. It certainly never occurred to me that I was a part of queer theory. I have some problems here, because I think there's some anti-feminism in queer theory. Also, insofar as some people in queer theory want to claim that the analysis of sexuality can be radically separated from the analysis of gender, I'm very much opposed to them. The new Gay and Lesbian Reader that Routledge have just published begins with a set of articles that make that claim. I think that separation is a big mistake. Catharine MacKinnon's work sets up such a reductive causal relationship between sexuality and gender that she came to stand for an extreme version of feminism that had to be combatted. But it seems to me that to combat it through a queer theory that dissociates itself from feminism altogether is a massive mistake."
15 Irene MEIJER e Baukj PRINS, 2005.
16 BUTLER, 2001.
Referências bibliográficas
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______. "Gender as Performance: An Interview with Judith Butler." Radical Philosophy, 67, Summer 1994. Disponível em: http://www.theory.org.uk/but-int1.htm. Acesso em: 23 jan. 2005.
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DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. "Alteridade, violência e justiça: trilhas da desconstrução". In: ______. (Org.). Desconstrução e ética: ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 2004. p. 33-64.
______. Ecos da descontrução. Entrevista disponível em: http://www.puc-rio.br/editorapucrio/autores/autores_entrevistas_paulo_cesar_duque.html. Acesso em 29 jan. 2005.
FRASER, Nancy. "Heterosexism, Misrecognition and Capitalism: a Response to Judith Butler." NLR, I/228, Mar./Apr. 1998. p. 140-149.
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HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2002.
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© 2007 Revista Estudos Feministas
Carla Rodrigues
NoMínimo, www.nominimo.com.br
Fonte: Rev. Estud. Fem. vol.13 no.1 Florianópolis Jan./Apr. 2005
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
BUTLER, Judith P.
Tradução de Renato Aguiar.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. 236 p.
Dito de forma muito resumida, Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade desconstruiu o conceito de gênero no qual está baseada toda a teoria feminista. A divisão sexo/gênero funciona como uma espécie de pilar fundacional da política feminista e parte da idéia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. Essa é a premissa que Judith Butler problematizava no livro, primeiro da autora traduzido no Brasil (foi lançado nos Estados Unidos em 1990) e ainda hoje reconhecido como sua obra mais importante. Discutir essa dualidade foi o ponto de partida para que a pensadora questionasse o conceito de mulheres como sujeito do feminismo.
O par sexo/gênero foi um dos pontos de partida fundamentais (talvez fosse melhor dizer fundacionais) da política feminista. O desmonte da concepção de gênero seria o desmonte de uma equação na qual o gênero seria concebido como o sentido, a essência, a substância, categorias que só funcionariam dentro da metafísica que Butler também questionou. Assim como Derrida desmontou a estrutura binária significante/significado e a unidade do signo,1 e fez com isso uma crítica à metafísica e às filosofias do sujeito, Butler desmontou dualidade sexo/gênero e fez uma crítica ao feminismo como categoria que só poderia funcionar dentro do humanismo.2 Para refletir sobre os efeitos dessa desconstrução, é fundamental entender desconstrução não como desmonte ou destruição.3
Repensar teoricamente a "identidade definida" das mulheres como categoria a ser defendida e emancipada no movimento feminista parece ter sido a principal tarefa de Butler. O problema que ela apontou foi o da inexistência desse sujeito que o feminismo quer representar. Esse era um debate acadêmico preexistente no qual Butler se inseriu como uma das pensadoras que, de alguma forma, radicalizou aquilo que a teoria feminista já problematizava. Nessa discussão sobre a identidade das mulheres que Butler reconhecia já estar posta - o livro é de 1990 - a filósofa acrescentou a crítica ao modelo binário, que foi fundamental na discussão que a autora levantou a respeito da distinção sexo/gênero.
O conceito de gênero como culturamente construído, distinto do de sexo, como naturalmente adquirido, formaram o par sobre o qual as teorias feministas inicialmente se basearam para defender perspectivas "desnaturalizadoras" sob as quais se dava, no senso comum, a associação do feminino com fragilidade ou submissão, e que até hoje servem para justificar preconceitos.4 O principal embate de Butler foi com a premissa na qual se origina a distinção sexo/gênero: sexo é natural e gênero é construído. O que Butler afirmou foi que, "nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino" (p. 26). Para a contestação dessas características ditas naturalmente femininas, o par sexo/gênero serviu às teorias feministas até meados da década de 1980, quando começou a ser questionado.
Butler apontou para o fato de que, embora a teoria feminista considere que há uma unidade na categoria mulheres, paradoxalmente introduz uma divisão nesse sujeito feminista. Butler quis retirar da noção de gênero a idéia de que ele decorreria do sexo e discutir em que medida essa distinção sexo/gênero é arbitrária. Butler chamou a atenção para o fato de a teoria feminista não problematizar outro vínculo considerado natural: gênero e desejo. Até que ponto se poderia identificar aqui a mesma crítica derridiana do caráter arbitrário do signo, como uma falsa unidade na teoria de Saussure, como uma premissa nunca antes contestada? É o que identificamos quando Butler afirma: "talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma" (p. 25). Butler indicava, assim, que o sexo não é natural, mas é ele também discursivo e cultural como o gênero.
Para Butler, a teoria feminista que defende a identidade dada pelo gênero e não pelo pelo sexo escondia a aproximação entre gênero e essência, entre gênero e substância. Segundo Butler, aceitar o sexo como um dado natural e o gênero como um dado construído, determinado culturalmente, seria aceitar também que o gênero expressaria uma essência do sujeito. Ela defendeu que haveria nessa relação uma "unidade metafísica" e chamou essa relação de paradigma expressivo autêntico, "no qual se diz que um eu verdadeiro é simultâneo ou sucessivamente revelado no sexo, no gênero e no desejo" (p. 45). O que Butler parece ter indagado foi, afinal, quando acontece essa construção do gênero? Foi em função dessa questão que ela discutiu (ou desconstruiu) várias das teorias feministas sobre gênero.
No livro, a autora estabelece interlocuções com diferentes autoras, entre as quais destaca-se Simone de Beauvoir. No debate com Beauvoir, Butler indica os limites dessas análises de gênero que, segundo ela, "pressupõem e definem por antecipação as possibilidades das configurações imagináveis e realizáveis de gênero na cultura" (p. 28). Partindo da emblemática afirmação "A gente não nasce mulher, torna-se mulher", Butler aponta para o fato de que "não há nada em sua explicação [de Beauvoir] que garanta que o 'ser' que se torna mulher seja necessariamente fêmea" (p. 27).
Nessa tentativa de "desnaturalizar" o gênero, Butler propunha libertá-lo daquilo que ela chama - em uma referência a Nietzsche - de metafísica da substância. Segundo Butler, na maioria das teorias feministas o sexo é aceito como substância, como aquilo que é idêntico a si mesmo, em uma proposição metafísica. Para ela, a posição feminista humanista entende gênero como "atributo" de pessoa, "caracterizada essencialmente como uma substância ou um 'núcleo' de gênero preestabelecido, denominado pessoa" (p. 29). O que Butler argumentou foi que, ao contrário do que defendiam as teorias feministas, o gênero seria um fenômento inconstante e contextual, que não denotaria um ser substantivo, "mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes" (p. 29).
Foi pelo caminho da crítica às dicotomias que a divisão sexo/gênero produz que Butler chegou até a crítica do sujeito e contribuiu para o desmonte da idéia de um sujeito uno. Note-se que Butler não recusa completamente a noção de sujeito, mas propõe a idéia de um gênero como efeito no lugar de um sujeito centrado. Nas palavras de Butler, essa possibilidade se apresenta: "A presunção aqui é que o 'ser' um gênero é um efeito" (p. 58, grifo da autora). Aceitar esse caráter de efeito seria aceitar que a identidade ou a essência são expressões, e não um sentido em si do sujeito.
Aqui, antes de avançar no pensamento de Butler, vale discutir qual o significado de différance para Derrida. Uma definição relativamente simples explica différance primeiro pelo que ela não é: "Não é nenhuma diferença particular ou qualquer tipo privilegiado de diferença, mas sim uma diferencialidade primeira em função da qual tudo o que se dá só se dá, necessariamente, em um regime de diferenças (e, portanto, de relação com a alteridade)".5 Em outras palavras, nada é em si mesmo, tudo só existe em um processo de diferenciação. Assim, a identidade não é algo, mas é efeito que se manifesta em um regime de diferenças, num jogo de referências. Para Derrida, por exemplo, na linguagem só existem significantes, que se expressam em uma relação de remetimentos. Butler diz que não existe uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero, e que a identidade é performativamente constituída. O que Derrida diz sobre o signo é que não há significado por trás do significante, e que o sentido é efeito constituído por uma cadeia de significantes.
Em relação à différance, diz Butler: "A ruptura pós-estruturalista com Saussure e com as estruturas identitárias de troca encontradas em Lévi-Strauss refuta as afirmações de totalidade e universalidade, bem como a presunção de oposições estruturais binárias a operarem implicitamente no sentido de subjugar a ambigüidade e a abertura insistente da significação lingüística e cultural. Como resultado, a discrepância entre significante e significado torna-se a différance operativa e ilimitada da linguagem, transformando toda a referência em deslocamento potencialmente ilimitado" (p. 70).
Política e representação
Cabe ressaltar que Butler estava problematizando o conceito mulheres, mesmo quando utilizado no plural, em uma tentativa de abarcar outros cruzamentos como raça, etnia, idade, etc., ou seja, a adesão ao plural não satisfazia Butler, que ainda enxergava uma normatização nessa troca da categoria mulher para mulheres. Butler apontava para a possibilidade de haver política sem que seja necessária a constituição de uma identidade fixa, de um sujeito a ser representado, para que essa política se legitime. Ao mesmo tempo, ela propôs repensar as restrições que a teoria feminista enfrenta quando tenta representar mulheres. Butler afirmou que o sujeito feminino poderia deixar de ser o motor da política feminista, o que traria muitos problemas, como ela mesma reconhece, quando diz: "Sem um conceito unificado de mulher ou, minimamente, uma similaridade de tipo familiar entre os termos relacionados pelo gênero, a política feminista parece perder a base categórica de suas próprias afirmações normativas. Quem constitui o 'quem', o sujeito para o qual o feminismo busca uma libertação? Se não existe sujeito, a quem vamos emancipar?"6 Butler mantém uma crítica ao que ela considera uma exigência da política: a presença de um sujeito estável. "Afirmar que a política exige um sujeito estável é afirmar que não pode haver oposição política a essa afirmação", diz Butler,7 que defendeu a distinção entre recusar a existência do sujeito como premissa e recusar completamente a noção de sujeito.
Butler estaria tentando deslocar o feminismo do campo do humanismo, como prática política que pressupõe o sujeito como identidade fixa, para algo que deixe em aberto a questão da identidade, algo que não organize a pluraridade, mas a mantenha aberta sob permanente vigilância. Nas palavras de Butler: "A desconstrução da identidade não é a desconstrução da política; ao invés disso, ela estabelece como políticos os próprios termos pelos quais a identidade é articulada. Esse tipo de crítica põe em questão a estrutura fundante em que o feminismo, como política de identidade, vem-se articulando. O paradoxo interno desse fundacionismo é que ele presume, fixa e restringe os próprios sujeitos que espera representar e libertar" (p. 213).
O paradoxo que ela aponta nos impediria de pensar o sujeito como um devir permanente, como um processo ou uma promessa. Mas esse sujeito seria também irrepresentável? Com que conseqüências? Existiria alguma possibilidade de ganho nessa libertação? Butler parece defender que sim quando afirma: "Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um silogismo político, e se a política não fosse mais compreendida como um conjunto de práticas derivadas dos supostos interesses de sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria certamente das ruínas da antiga" (p. 213).
Em texto em que exploram as ligações entre o feminismo e o pós-modernismo, Nancy Fraser e Linda J. Nicholson8 também defendem a idéia de um novo feminismo, e, ainda que as propostas dessas duas autoras possam não ser semelhantes às de Butler, vai se tentar aqui uma breve exposição das idéias do artigo. Primeiro, elas fazem uma leitura de A condição pós-moderna.9 Segundo interpretação de Fraser e Nicholson, a principal pergunta de Lyotard é: "onde está a legitimação na era pós-moderna?" A resposta de Lyotard, ainda segundo elas, seria de que, "na era pós-moderna, a legitimação se faz plural, local e imanente". Fraser e Nicholson propõem uma aproximação da teoria feminista ao pós-modernismo, batizado de pós-feminismo, que "deixaria de lado a idéia de sujeito da história. Substituiria as noções unitárias de mulher e identidade genérica feminina por conceitos de identidade social que são plurais e de constituição complexa, e nos quais o gênero seria somente um traço relevante entre outros".10 Escapar da política representacional criaria pelo menos um problema: a questão da legitimidade que as duas apontam. Exigir sujeitos estáveis para fazer política cria um pressuposto fixo a uma realidade instável, conforme critica Butler.
Um dos desdobramentos do pensamento de Butler seria o fortalecimento das teorias queer, dos movimentos de gays, lésbicas e transgêneros e de um certo abandono do feminismo como uma bandeira ultrapassada. Mas essa saída também está sob interrogação. Em 1998, Judith Butler11 e Nancy Fraser12 estabeleceram, nas páginas da New Left Review, um debate sobre o lugar do feminismo na esquerda e no contexto do capitalismo tardio. Sobre esse debate, há um interessante artigo de Claudia Bacci, Laura Fernández e Alejandra Oberti.13 A desconstrução de gênero, em Butler, é freqüentemente apontada como um fator de esvaziamento dos estudos feministas em prol da chamada queer theory. Parece relevante registrar que a própria Butler discute esse aspecto da dissociação entre feminismo e queer theory em entrevista14 concedida a Peter Osborne e Lynne Segal, na qual ela alerta para os perigos desse "anti-feminismo" e diz: "Me parece que combater a dualidade sexo/gênero através da teoria queer, dissociando essa teoria do feminismo, é um grande erro".
Problemas de gênero foi publicado pela Civilização Brasileira na coleção Sujeito e História, coordenada pelo psicanalista Joel Birmann. No seu trabalho seguinte, Bodies that Matter, publicado nos Estados Unidos em 1993, Butler aprofunda diversas questões levantadas em Problemas de gênero, mas o livro ainda não tem previsão de publicação no Brasil. Sobre Bodies that Matter, há uma esclarecedora entrevista de Butler publicada na Revista de Estudos Feministas.15 A introdução de Bodies that Matter está traduzida em O corpo educado.16
Notas
1 Jacques DERRIDA, 2004.
2 Toma-se aqui a definição de humanismo em Martin HEIDEGGER, 1991: "[...] qualquer humanismo permanece metafísico. Na determinação da humanidade do homem, o humanismo não só deixa de questionar a relação do ser com o ser humano, mas o humanismo tolhe mesmo esta questão, pelo fato de, por causa de sua origem metafísica, não a reconhecer, nem a compreender. [...] O primeiro humanismo, a saber o romano, e todos os tipos do humanismo que, desde então até o presente, têm surgido, pressupõe como óbvia a 'essência' mais universal do homem" (p. 8-9).
3 "A origem do termo 'desconstrução' vem de Heidegger, que propôs, no período inicial de sua trajetória, um projeto filosófico chamado destruição da metafísica, o qual, por sua vez, procurava libertar os conceitos herdados da tradição que haviam se enrijecido - há muito sedimentadas pelo hábito de sua transmissão -, e retorná-los à experiência de pensamento original. Tratava-se, portanto, de um projeto em nada destrutivo, no sentido de um simples aniquilamento, e que Heidegger pôde nomear com a palavra alemã Destruktion. Ao passar para o francês, Derrida percebeu ser impossível evitar esta conotação fortemente negativa da palavra 'destruição'; o termo 'desconstrução' lhe pareceu então mais apropriado para captar essa idéia inicial contida no projeto de Heidegger, o que não quer dizer que a desconstrução seja uma simples repetição do projeto heideggeriano" (Paulo Cesar DUQUE-ESTRADA, 2005).
4 Em janeiro de 2005, o diretor da Universidade de Harvard, Lawrence H. Summers, sugeriu, em conferência, que diferenças biológicas entre os sexos poderiam explicar por que poucas mulheres são bem-sucedidas nas ciências e nas matemáticas. Publicada no New York Times e transcrita no jornal O Globo, na página 31, em 19 de janeiro de 2005, gerou debates na imprensa nacional e internacional.
5 DUQUE-ESTRADA, 2004.
6 Judith BUTLER, 1992. O livro do qual o ensaio de Judith Butler faz parte é uma compilação de quatro dos sete ensaios do livro original Feminism/postmodernism, publicado por Routledge (Nova York e Londres, 1990). Tradução para o espanhol de Márgara Averbach: "Sin un concepto unificado de mujer o, mínimamente, una similaridad de tipo familiar entre los términos relacionados por su género, la política feminista parece perder la base categórica de suas propias afirmaciones normativas. ¿Qué constituye el 'quién', el sujeto, para el que el feminismo busca la libéracion? Si no hay sujeto ¿qué vamos emancipar ?" (p. 78-79).
7 BUTLER, 1998.
8 FRASER e NICHOLSON, 1992.
9 Jean-François LYOTARD, 2002.
10 "Finalmente, la teoría feminista posmoderna dejaría de lado la idea de un sujeto de historia. Reemplazaría las nociones unitarias de mujer e identidad genérica femenina por conceptos de identidad social que fueran plurales y de construcción compleja, y en los cuales el género fuera solamente un hilo relevante entre otros" (p. 26 da edição argentina, de 2001). A tradução para o português é minha. Tradução para o espanhol de Márgara Averbach. O livro é uma complilação de quatro dos sete ensaios do livro original Feminism/postmodernism, publicado por Routledge (Nova York e Londres, 1990).
11 BUTLER, 1998.
12 FRASER, 1998.
13 BACCI, FERNÁNDEZ e OBERTI, 2005.
14 BUTLER, 2005. Butler: "I would say that I'm a feminist theorist before I'm a queer theorist or a gay and lesbian theorist. My commitments to feminism are probably my primary commitments. Gender Trouble was a critique of compulsory heterosexuality within feminism, and it was feminists that were my intended audience. At the time I wrote the text there was no gay and lesbian studies, as I understood it. When the book came out, the Second Annual Conference of Lesbian and Gay Studies was taking place in the USA, and it got taken up in a way that I could never have anticipated. I remember sitting next to someone at a dinner party, and he said that he was working on queer theory. And I said: What's queer theory? He looked at me like I was crazy, because he evidently thought that I was a part of this thing called queer theory. But all I knew was that Teresa de Lauretis had published an issue of the journal Differences called 'Queer Theory'. I thought it was something she had put together. It certainly never occurred to me that I was a part of queer theory. I have some problems here, because I think there's some anti-feminism in queer theory. Also, insofar as some people in queer theory want to claim that the analysis of sexuality can be radically separated from the analysis of gender, I'm very much opposed to them. The new Gay and Lesbian Reader that Routledge have just published begins with a set of articles that make that claim. I think that separation is a big mistake. Catharine MacKinnon's work sets up such a reductive causal relationship between sexuality and gender that she came to stand for an extreme version of feminism that had to be combatted. But it seems to me that to combat it through a queer theory that dissociates itself from feminism altogether is a massive mistake."
15 Irene MEIJER e Baukj PRINS, 2005.
16 BUTLER, 2001.
Referências bibliográficas
BACCI, Claudia; FERNÁNDEZ, Laura; OBERTI, Alejandra. "De injusticias distributivas e políticas identitárias. Una intervención con el debate Butler-Fraser". Revista Gênero, Nuteg, v. 4, n. 1. Disponível em: http://www.portalfeminista.org.br/artigo.phtml?obj_id=1390&ctx_cod=5.2. Acesso em: 23 jan. 2005.
BUTLER, Judith. "Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo". Cadernos Pagu, n. 11, p. 11-42, 1998. Tradução de Pedro Maia Soares para versão do artigo "Contingent Foundations: Feminism and the Question of Postmodernism", no Greater Philadelphia Philosophy Consortium, em setembro de 1990.
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______. "Merely Cultural." NLR, I/227, Jan./Feb. 1998. p. 33-44.
______. "Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo". Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001. p. 151-172.
______. "Gender as Performance: An Interview with Judith Butler." Radical Philosophy, 67, Summer 1994. Disponível em: http://www.theory.org.uk/but-int1.htm. Acesso em: 23 jan. 2005.
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004.
DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. "Alteridade, violência e justiça: trilhas da desconstrução". In: ______. (Org.). Desconstrução e ética: ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 2004. p. 33-64.
______. Ecos da descontrução. Entrevista disponível em: http://www.puc-rio.br/editorapucrio/autores/autores_entrevistas_paulo_cesar_duque.html. Acesso em 29 jan. 2005.
FRASER, Nancy. "Heterosexism, Misrecognition and Capitalism: a Response to Judith Butler." NLR, I/228, Mar./Apr. 1998. p. 140-149.
FRASER, Nancy; NICHOLSON, J. Linda. "Crítica social sin filosofía: un encuentro entre el feminismo y el posmodernismo". In: NICHOLSON, J. Linda (Org.). Feminismo/posmodernismo. Buenos Aires: Feminaria Editora, 1992. p. 7-29.
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2002.
MEIJER, Irene; PRINS, Baukj. "Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler". Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, 2002. Também disponível em: http://www.portalfeminista.org.br/artigo.phtml?obj_id=1118&ctx_cod=5.1. Acesso em: 27 de jan. 2005
© 2007 Revista Estudos Feministas
Identidades Pós-Modernas
Um dos conceitos mais complicados e polêmicos da contemporaneidade é o de Pós-Modernidade.
“Pós” dá a entender que é aquilo que vem depois de alguma coisa. Pós-Modernidade, então, seria algo que veio depois da Modernidade?
Mas o que é Modernidade?
Segundo Marx (o Karl, não o Groucho), modernidade “é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos. Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar…”
Entendeu?
Pois se a modernidade é todo esse turbilhão aí, a Pós-Modernidade veio chacoalhar mais ainda o negócio.
Para o crítico literário Fredric Jameson (um popstar sociológico da pós-modernidade), o pós-modernismo seria a lógica cultural do capitalismo tardio, uma fase do capitalismo onde a imagem é o centro de tudo, a imagem é o real; outras características são a ausência ou a crise da história, o forte incentivo ao consumismo e a superficialidade de tudo. E, prá fechar, na pós-modernidade o que impera é a falta de um estilo pelo fato de todos os estilos serem válidos: a paródia, a ironia, o pastiche é que ditam as regras.
Pois bem, ainda tem mais.
Temos que distinguir Pós-Modernidade de Pós-Modernismo. Parece igual, mas é diferente. Prá simplificar, Pós-Modernismo tem a ver com estilo. Pós-Modernidade, com o contexto sócio-político-cultural, com os conceitos de época, tempo, lugar, o aqui-agora.
Uma das discussões mais interessantes da pós-modernidade é sobre “identidade fragmentada”.
Segundo Stuart Hall,no seu excelente livro “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, diz que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (…) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente”.
Tipo assim: todo mundo tem máscaras; você não é a mesma pessoa em diferentes cenários da sua vida: casa, trabalho, faculdade, rua…
Você usa linguagens e posturas distintas em cada um desses locais. Você é pai (ou mãe), marido (ou esposa), filho(a), empregado (ou chefe), aluno (ou professor), um simples transeunte…
Hoje em dia, esse conceito foi ampliado por causa da tecnologia. Você tem novos espaços para exercitar outras máscaras. Então, você usa nicknames, avatares, ícones…
Conversa com gente de qualquer lugar do mundo, na hora que quiser e onde você estiver. Nesse processo, você soma identidades: moderador, blogueiro, comentarista, leitor, autor, webdesigner, podcaster…
Como cabe tanta coisa numa pessoa só? Múltiplas personalidades, fragmentação, pensamento divergente, polifonia…
Esse negócio de identidade fragmentada é ou não é interessante? Tão boa quanto é a questão da compressão espaço-tempo (eu gosto dessa, lembra ficção-científica), perfeitamente mais perceptível pela velocidade das comunicações e pelo acesso à web. O mundo é aqui!
Material reproduzido do Blog Macaxeira Geral
“Pós” dá a entender que é aquilo que vem depois de alguma coisa. Pós-Modernidade, então, seria algo que veio depois da Modernidade?
Mas o que é Modernidade?
Segundo Marx (o Karl, não o Groucho), modernidade “é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos. Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar…”
Entendeu?
Pois se a modernidade é todo esse turbilhão aí, a Pós-Modernidade veio chacoalhar mais ainda o negócio.
Para o crítico literário Fredric Jameson (um popstar sociológico da pós-modernidade), o pós-modernismo seria a lógica cultural do capitalismo tardio, uma fase do capitalismo onde a imagem é o centro de tudo, a imagem é o real; outras características são a ausência ou a crise da história, o forte incentivo ao consumismo e a superficialidade de tudo. E, prá fechar, na pós-modernidade o que impera é a falta de um estilo pelo fato de todos os estilos serem válidos: a paródia, a ironia, o pastiche é que ditam as regras.
Pois bem, ainda tem mais.
Temos que distinguir Pós-Modernidade de Pós-Modernismo. Parece igual, mas é diferente. Prá simplificar, Pós-Modernismo tem a ver com estilo. Pós-Modernidade, com o contexto sócio-político-cultural, com os conceitos de época, tempo, lugar, o aqui-agora.
Uma das discussões mais interessantes da pós-modernidade é sobre “identidade fragmentada”.
Segundo Stuart Hall,no seu excelente livro “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, diz que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (…) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente”.
Tipo assim: todo mundo tem máscaras; você não é a mesma pessoa em diferentes cenários da sua vida: casa, trabalho, faculdade, rua…
Você usa linguagens e posturas distintas em cada um desses locais. Você é pai (ou mãe), marido (ou esposa), filho(a), empregado (ou chefe), aluno (ou professor), um simples transeunte…
Hoje em dia, esse conceito foi ampliado por causa da tecnologia. Você tem novos espaços para exercitar outras máscaras. Então, você usa nicknames, avatares, ícones…
Conversa com gente de qualquer lugar do mundo, na hora que quiser e onde você estiver. Nesse processo, você soma identidades: moderador, blogueiro, comentarista, leitor, autor, webdesigner, podcaster…
Como cabe tanta coisa numa pessoa só? Múltiplas personalidades, fragmentação, pensamento divergente, polifonia…
Esse negócio de identidade fragmentada é ou não é interessante? Tão boa quanto é a questão da compressão espaço-tempo (eu gosto dessa, lembra ficção-científica), perfeitamente mais perceptível pela velocidade das comunicações e pelo acesso à web. O mundo é aqui!
Material reproduzido do Blog Macaxeira Geral
UMA ESQUEMA TEÓRICO PARA REFRESCAR A AULA SOBRE IDENTIDADES,PÓS IDENTIDADES E SEXUALIDADE
‘Eles’ X ‘Elas’:
A Construção de Identidades Sociais
Désirée Motta-Roth
UFSM
Sociedades Contemporâneas> Transformação, Pluralidade, Multiculturalismo em termos de nacionalidade, região, raça, classe social, educação, religião, gênero, etc.
Vida na sociedade contemporânea demanda a capacidade de transitar na diferença e conhecimento para negociar pontos de vista.
Convivência com estereótipos sobre Gênero: ‘homem não chora’, ‘mulher não sabe dirigir’, ‘sexo biológico e gênero social estão sempre associados’.
SEXO = GÊNERO = SEXUALIDADE
SEXO como condição orgânica, biológica com a qual se nasce: feminino, masculino, hermafrodita. Permanência.
GÊNERO como processo social de vir a ser: hétero, homo, bi, trans. Conhecimento aprendido na família, na escola, entre amigos, na vida...
SEXUALIDADE: como desejo orgânico e social. Prática.
Ele é de Marte e Ela é de Vênus?
‘Embora participem de contextos institucionais semelhantes, meninos e meninas têm tarefas e/ou se submetem a cobranças distintas, no que concerne a sua ação social, pois a sociedade exige que homens e mulheres se comportem de acordo com os padrões claros sobre quem são.’ (UFRJ/Rodrigues, 2003:72)
Fatos X Falácias
FATOS: Sexualidade é parte da Identidade
Identidade é o nosso sentido de ‘ser’ e de ‘pertencer’; sofre reinterpretação ao longo do tempo; é construída na interação social; depende de quem, onde, quando (mãeXamigo; amorXmedo).
Presentes: tempo (pequenas coisas) X custo (anel de brilhante)(UERJ/Coelho, 2002) Lógica da sociedade: cuidado X sustento.
Moral: feminino (resguardo) X masculino (liberdade) Versão cultural como fato da vida: Meninas ‘sambadas’. (Berkeley/Bamberg, 2002).
Identidade de gênero como construção
FALÁCIAS: Fragilidade? Coragem? Inteligência?
Sociedade ocidental:
HOMEM deve… convencer a si e ao outro de que: É inteligente, bem sucedido e popular com as mulheres e NÃO É mulher, bebê ou homossexual (Bardinter, 1993 apud Roland, 2003:115).
MULHER deve… convencer de que: É feminina, sedutora e exclusiva e NÃO É velha ou feia.
Construção na mídia > Revistas: discurso pedagógico para a mulher
Construção d’ELES e d’ELAS
Há outras maneiras de se falar/escrever sobre isso? Podemos ou desejamos optar por outras formas?
Durante a interação pela linguagem, nos posicionamos, localizamos nossa sexualidade, subjetividade e do outro e, assim, construímos identidades de gênero reciprocamente, mas de formas diferentes em diferentes contextos e momentos.
Ao nos posicionarmos, assumimos um repertório conceitual, um ponto d evista com imagens, metáforas e conceitos relevantes para aquela prática.
‘Sexualidade’ é um conceito relativo: ‘masculino só pode ser entendido em relação ao que é feminino em uma sociedade específica’. Ex: Relações de poder: Feminismo da diferença. (UFRJ/Rodrigues, 2003:72.
Sujeito Pós-Moderno: Contradição, Mudança, Multiplicidade
Novo homem, Nova mulher: maneiras diferentes de ser feminino e de ser masculino.
Referências
BAMBERG, Michael. (2002) Construindo a masculinidade na adolescência: Posicionamentos e o processo de construção da identidade aos 15 anos. In: L. P. Moita Lopes & L. Cabral Bastos (orgs.), p.149-85.
COELHO, Maria C. (2002). Trocas materiais e construção de identidades de gênero. In: L. P. Moita Lopes & L. Cabral Bastos (orgs.), p.123-33.
MOITA LOPES, Luiz P. (org.) (2003). Discursos de identidades: Discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família. Campinas: Mercado de Letras.
MOITA LOPES, Luiz P. & Liliana C. Bastos (orgs.) (2002). Identidades: Recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado de Letras.
RODRIGUES, Renata L. A. (2003). A arte de construir um menino ao contar histórias em família. In: L. P. Moita Lopes (org.), p.67-88.
ROLAND, Beatriz. (2003). A adolescência homoerótica no contexto escolar: uma história de vida. In: L. P. Moita Lopes (org.), p.113-34.
A Construção de Identidades Sociais
Désirée Motta-Roth
UFSM
Sociedades Contemporâneas> Transformação, Pluralidade, Multiculturalismo em termos de nacionalidade, região, raça, classe social, educação, religião, gênero, etc.
Vida na sociedade contemporânea demanda a capacidade de transitar na diferença e conhecimento para negociar pontos de vista.
Convivência com estereótipos sobre Gênero: ‘homem não chora’, ‘mulher não sabe dirigir’, ‘sexo biológico e gênero social estão sempre associados’.
SEXO = GÊNERO = SEXUALIDADE
SEXO como condição orgânica, biológica com a qual se nasce: feminino, masculino, hermafrodita. Permanência.
GÊNERO como processo social de vir a ser: hétero, homo, bi, trans. Conhecimento aprendido na família, na escola, entre amigos, na vida...
SEXUALIDADE: como desejo orgânico e social. Prática.
Ele é de Marte e Ela é de Vênus?
‘Embora participem de contextos institucionais semelhantes, meninos e meninas têm tarefas e/ou se submetem a cobranças distintas, no que concerne a sua ação social, pois a sociedade exige que homens e mulheres se comportem de acordo com os padrões claros sobre quem são.’ (UFRJ/Rodrigues, 2003:72)
Fatos X Falácias
FATOS: Sexualidade é parte da Identidade
Identidade é o nosso sentido de ‘ser’ e de ‘pertencer’; sofre reinterpretação ao longo do tempo; é construída na interação social; depende de quem, onde, quando (mãeXamigo; amorXmedo).
Presentes: tempo (pequenas coisas) X custo (anel de brilhante)(UERJ/Coelho, 2002) Lógica da sociedade: cuidado X sustento.
Moral: feminino (resguardo) X masculino (liberdade) Versão cultural como fato da vida: Meninas ‘sambadas’. (Berkeley/Bamberg, 2002).
Identidade de gênero como construção
FALÁCIAS: Fragilidade? Coragem? Inteligência?
Sociedade ocidental:
HOMEM deve… convencer a si e ao outro de que: É inteligente, bem sucedido e popular com as mulheres e NÃO É mulher, bebê ou homossexual (Bardinter, 1993 apud Roland, 2003:115).
MULHER deve… convencer de que: É feminina, sedutora e exclusiva e NÃO É velha ou feia.
Construção na mídia > Revistas: discurso pedagógico para a mulher
Construção d’ELES e d’ELAS
Há outras maneiras de se falar/escrever sobre isso? Podemos ou desejamos optar por outras formas?
Durante a interação pela linguagem, nos posicionamos, localizamos nossa sexualidade, subjetividade e do outro e, assim, construímos identidades de gênero reciprocamente, mas de formas diferentes em diferentes contextos e momentos.
Ao nos posicionarmos, assumimos um repertório conceitual, um ponto d evista com imagens, metáforas e conceitos relevantes para aquela prática.
‘Sexualidade’ é um conceito relativo: ‘masculino só pode ser entendido em relação ao que é feminino em uma sociedade específica’. Ex: Relações de poder: Feminismo da diferença. (UFRJ/Rodrigues, 2003:72.
Sujeito Pós-Moderno: Contradição, Mudança, Multiplicidade
Novo homem, Nova mulher: maneiras diferentes de ser feminino e de ser masculino.
Referências
BAMBERG, Michael. (2002) Construindo a masculinidade na adolescência: Posicionamentos e o processo de construção da identidade aos 15 anos. In: L. P. Moita Lopes & L. Cabral Bastos (orgs.), p.149-85.
COELHO, Maria C. (2002). Trocas materiais e construção de identidades de gênero. In: L. P. Moita Lopes & L. Cabral Bastos (orgs.), p.123-33.
MOITA LOPES, Luiz P. (org.) (2003). Discursos de identidades: Discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família. Campinas: Mercado de Letras.
MOITA LOPES, Luiz P. & Liliana C. Bastos (orgs.) (2002). Identidades: Recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado de Letras.
RODRIGUES, Renata L. A. (2003). A arte de construir um menino ao contar histórias em família. In: L. P. Moita Lopes (org.), p.67-88.
ROLAND, Beatriz. (2003). A adolescência homoerótica no contexto escolar: uma história de vida. In: L. P. Moita Lopes (org.), p.113-34.
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