quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

REVISÃO SOBRE OS ESTUDOS CULTURAIS

Estudos Culturais

“Os estudos culturais não configuram uma ‘disciplina’ mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando o estudo de aspectos culturais da sociedade.” (Hall et al. 1980: 7)
É um campo de estudos onde diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea.
Entretanto, é preciso ressaltar que, na sua fase inicial, os fundadores desta área de pesquisa tentaram não propagar uma definição absoluta e rígida de sua proposta. Este campo de estudos surge, então, de forma organizada, através do Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra do pós-guerra. Inspirado na sua pesquisa, As utilizações da cultura (1957), Richard Hoggart funda em 1964 o Centro. Este surge ligado ao English Department da Universidade de Birmingham, constituindo-se num centro de pesquisa de pós-graduação desta mesma instituição. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como, suas relações com a sociedade e mudanças sociais, compõem seu eixo principal de pesquisa.
Na realidade, são três textos que surgiram nos final dos anos 50 que estabeleceram as bases dos estudos culturais: Richard Hoggart com The uses of literacy (1957), Raymond Williams com Culture and society (1958) e E. P. Thompson com The making of the english working-class (1963).
O primeiro é em parte autobiográfico e em parte história cultural do meio do século XX. O segundo constrói um histórico do conceito de cultura, culminando com a idéia de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência. E o terceiro reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa.
Especialmente, para este estudo interessa a pesquisa realizada por Hoggart na medida em que seu foco de atenção recai sobre materiais culturais, antes desprezados, da cultura popular e dos mass media, através de metodologia qualitativa.
Este trabalho inaugura o olhar de que no âmbito popular não existe apenas submissão mas, também, resistência o que, mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos.
A contribuição teórica de Williams é fundamental para os estudos culturais a partir de Culture and society. Através de um olhar diferenciado sobre a história literária, ele mostra que a cultura é uma categoria-chave que conecta tanto a análise literária quanto a investigação social. Seu livro The long revolution (1962) avança na demonstração da intensidade do debate contemporâneo sobre o impacto cultural dos meios massivos, mostrando um certo pessimismo em relação à cultura popular e aos próprios media.
Essa mudança no entendimento de cultura fez possível o desenvolvimento dos estudos culturais. Em relação à contribuição de Thompson, pode-se dizer que este influencia o desenvolvimento da história social britânica. Para ambos, Williams e Thompson, cultura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Mas, de certa forma, Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida global. No seu lugar, preferia entendê-la enquanto uma luta entre modos de vida diferentes.
Sobre a importante participação de Stuart Hall na formação dos cultural studies, avalia-se que este ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1969 a 1979, incentivou o desenvolvimento de estudos etnográficos, análises dos meios massivos e a investigação de práticas de resistência dentro de subculturas.

Cultura popular e mass media

Aproximando-se do vasto campo das práticas sociais e dos processos históricos, os cultural studies preocuparam-se, em primeira mão, com os produtos da cultura popular e dos mass media que expressavam os rumos da cultura contemporânea.
Este exerceu uma forte influência na formação dos cultural studies. A escolha por trabalhar etnograficamente deve-se ao fato de que o interesse incide nos valores e sentidos vividos. O estudo etnográfico acentua a importância nos modos pelos quais os atores sociais definem por eles próprios as condições em que vivem.
Althusser argumentava que existem várias forças determinantes – econômica, política e cultural – competindo e em conflito entre elas, compondo a complexa unidade – a sociedade. A questão da relação entre práticas culturais e outras práticas em formações sociais definidas, isto é, a relação do cultural com o econômico, político e instâncias ideológicas, pode ser considerada um segundo deslocamento importante na construção destes estudos.
Outra incorporação, extremamente cara a este campo, diz respeito ao conceito de ideologia, proposto por Althusser. Esta é vista enquanto “provedora de estruturas de entendimento através das quais os homens interpretam, dão sentido, experienciam e ‘vivem’ as condições materiais nas quais eles próprios se encontram”.
Nesta primeira etapa dos estudos culturais, ainda plenamente concentrada na Escola de Birmingham, a pesquisa estava delimitada, principalmente, nas seguintes áreas: as subculturas, as condutas desviantes, as sociabilidades operárias, a escola, a música e a linguagem.

Discordando do entendimento dos meios de comunicação de massa (MCM) como simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, os estudos culturais compreendem os produtos culturais como agentes da reprodução social, acentuando sua natureza complexa, dinâmica e ativa na construção da hegemonia.
Segundo Gramsci, não existe um confronto bipolar e rígido entre as diferentes culturas. Na prática o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios entre elas. Elas não são vistas como exteriores entre si mas comportando cruzamentos, transações, intersecções. Em determinados momentos a cultura popular resiste e impugna a cultura hegemônica, em outros reproduz a concepção de mundo e de vida das classes hegemônicas.
Quanto às linhas de pesquisa, implementadas pelos estudos culturais, interessa-nos, sobretudo, aquela que se detém sobre o consumo da comunicação de massa enquanto lugar de negociação entre práticas comunicativas extremamente diferenciadas – esta será adiante comentada.
De forma sintética, pode-se entender o centro de Birmingham, da sua fundação ao início dos anos 80, como foco irradiador de uma plataforma teórica derivada de importações e adaptações de diversas teorias; como promotor de uma abertura a problemáticas antes desconsideradas como as relacionadas às culturas populares e aos meios de comunicação de massa.
No final dos setenta/início dos 80, as coisas começam a mudar. Desponta a influência de teóricos franceses como Michel De Certeau, Michel Foucault, Pierre Bourdieu, entre outros.
A atualidade
É interessante notar as diferenças entre os “primeiros” estudos culturais e os dos anos 90. No primeiro momento, havia uma forte relação com iniciativas políticas, pois existia uma intenção de compartilhar um projeto político. Se pretendia, também, uma relação com diversas disciplinas para a observação sistemática da cultura popular, assim como, com diversos movimentos sociais.
Já agora, há um relaxamento na vinculação política. O sentido de que se está analisando algo “novo”, também não existe mais. A relação cultura/ comunicação massiva e dentro desta, as problemáticas que enfocam as culturas populares e suas estratégias interpretativas, também se observam alterações no decorrer da trajetória dos estudos culturais.
No final dos anos 60, a temática da recepção e a densidade dos consumos mediáticos começam chamar a atenção dos pesquisadores de Birmingham. Este tipo de reflexão acentua-se a partir da divulgação do texto “Encoding and decoding in television discourse”, de Stuart Hall, publicado a primeira vez em 1973.
Através de categorias da semiologia articuladas à uma noção marxista de ideologia, Hall insiste na pluralidade, determinada socialmente, das modalidades de recepção dos programas televisivos.
Argumenta, também, que podem ser identificadas três posições hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição “dominante” ou “preferencial” quando o sentido da mensagem é decodificado segundo as referências da sua construção; uma posição “negociada” quando o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; e uma posição de “oposição” quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa.
É dessa forma que se produz o encontro, durante os anos 70, com os estudos feministas. Estes propiciaram novos questionamentos em torno de questões referentes à identidade, pois introduziram novas variáveis na sua constituição, deixando-se de “ler os processos de construção da identidade unicamente através da cultura de classe e sua transmissão geracional. Mais tarde, acrescenta-se às questões de gênero, as que envolvem
raça e etnia.
Na década de 80, definem-se novas modalidades de análise dos meios de comunicação. Multiplicam-se os estudos de recepção dos meios massivos, especialmente, no que diz respeito aos programas televisivos. Também há um redirecionamento no que diz respeito aos protocolos de investigação. Estes passam a dar uma atenção crescente ao trabalho etnográfico.
Algumas das pesquisas empíricas dessa época apontavam para a importância do ambiente doméstico e das relações dentro da família na formação das leituras diferenciadas da TELEVISÃO.
Existem outros eixos importantes de serem avaliados na etapa presente dos estudos culturais. Entre eles estaria a discussão sobre a pós-modernidade ou a “nova era” (no original, new times) como é proposto por Hall, a globalização, a força das migrações e o papel do Estado-nação e da cultura nacional e suas repercussões sobre o processo de construção das identidades.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Curso de Pós-Graduação em Comunicação – Mestrado
Estudos Culturais na América Latina
Dois investigadores marcam os estudos das relações entre comunicação e cultura. Jésus Martín-Barbero e Néstor García Canclini encarregaram-se de demonstrar um entendimento amplo e compartilhado das relações entre produção, distribuição e consumo do conjunto de bens simbólicos concebidos numa sociedade. Mas o interesse deste texto se dá na perspectiva que Canclini busca dar a partir do cruzamento de diferentes áreas do conhecimento. A sociologia, antropologia e estudos de comunicação como campo de conhecimentos que evidenciam a cultura como “híbrida”.
Esta visão autentica o papel dos meios de comunicação quando estes são colocados no mesmo patamar das demais manifestações sociais. Canclini afirma que isso é resultado de diversos fatores, especialmente da internacionalização econômica, do aumento do fluxo turístico e migratório, bem como da transnacionalização dos meios de comunicação.
Desta maneira, entender os problemas de comunicação como culturais recolocam as relações entre cultura e comunicação. Dá-se o rompimento de visões totalizantes sobre esses campos, redimensionando o papel do receptor como sujeito ativo. Canclini trabalha com o cenário latino-americano, e remete à compreensão de acabar com a dualidade constituída a partir de campos disciplinas segmentadas para entender um processo unido e ininterrupto, já que não enxerga mais a distinção entre as fronteiras do culto, massivo e popular.
*Este cruzamento o qual caracteriza o processo latino-americano e sua identidade cultural, Canclini chama de hibridização. (...) uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea, renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.1
A explicação para este processo estaria na quebra e mescla das coleções (folclore, galerias, museus) que organizam sistemas culturais. O conceito de culturas híbridas é importante para compreender o que não cabe mais ao culto, popular ou massivo, ou seja, o que se produz atualmente é abarcado pelo processo de globalização e este não deixaria de fora as manifestações culturais.
O tradicional e o moderno já convivem em um mesmo cenário social. Para exemplificar este processo, Canclini faz uma análise de bens culturais onde consegue identificar os cruzamentos estabelecidos. “Qué buscan los pintores cuando citan en el miesmo cuadro imágenes precolombinas, coloniales y de la industria cultural, cuando las reelaboran usando computadoras y laser”? (CANCLINI, 1990, p. 14).
O autor percebe o fato de que a cultura já não diferencia as classes sócias a partir do capital e que houve flexibilização do vínculo entre diferentes estratos sociais, e isso, conforme Canclini, por causa de uma maior circulação de bens simbólicos. Estas possibilidades transclassistas aumentam o processo de hibridização e em conseqüência, surgem novas formas de identidade cultural. O argentino se utiliza do conceito de desterritorialização para caracterizar a perda de relação natural da cultura com a territorialidade geográfica e mesmo social, e adverte para o risco que os países têm de perder identidades.
O antropólogo fala que a sociabilidade híbrida das cidades leva o sujeito a participar de grupos cultos e populares, tradicionais e modernos. Canclini se faz mais instigador quando fala do caráter multicultural das cidades. Um pluralismo que é preciso concordar, se reduz quando pode-se observa a passagem das interações privadas às linguagens públicas, “as do rádio, da televisão e da publicidade urbana”. (CANCLINI, 1990, p 302). Mas como viver num mundo cheio de ambivalências geradas por oscilações entre o moderno e o tradicional, o culto e o popular?
Pensando o caso das cidades como ambiente, o simulacro passa a ser uma categoria central da cultura quando se vê que não mais se relativiza o autêntico, e que a hibridação se faz presente quando se compara monumentos históricos com luminosos publicitários de última geração.
O moderno se fragmenta e se mistura com o que não é e assim se afirma ao mesmo passo que é discutido. As hibridações demonstram que todas as culturas hoje são de fronteira. “Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram os acontecimentos de um povo são intercambiados com outros”. (CANCLINI, 1987, p.348).
As culturas perdem a relação exclusiva com o território, mas desenvolvem conhecimento, se difundem e ganham em comunicação.
Para os meios de comunicação e às novas tecnologias há interesse nas tradições quando do reforço do contato entre emissores e receptores. Nos diversos recantos da América Latina, ainda há grupos étnicos reforçando sua identidade através de uma série de práticas. O folclore ainda existe, e funciona como símbolo de expressão de cada sujeito. A arte que circula por diferentes lugares, elitistas ou populares, se reformula periodicamente, numa reestruturação do saber. O processo de hibridização coloca no mesmo plano as diversas manifestações da cultura e rompe as fronteiras estabelecidas pelo modo de pensar da modernidade, em que o culto deveria estar nas galerias ou em grandes museus e o popular nas feiras e mercados.
Martín-Barbero, através de sua obra Dos Meios às Mediações, buscou a reconstituição do processo de massificação. Este novo olhar proposto por Martín-Barbero e outros autores latinos como Nestor Garcia Canclíni, dão razão a perspectiva de recolocar os problemas de comunicação noutro campo - o dos processos socioculturais. Eis então a proposta de deslocar o eixo do debate dos meios para as mediações, isto é, “para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais.” (MARTÌN-BARBERO, 2003, p. 270).
Martín-Barbero (2003) fala de “mestiçagem” ao caracterizar a identidade cultural latino-americana, e diz que estão se tornando pensáveis as formas e os sentidos que a vigência cultural das diferentes identidades vem adquirindo: o indígena no rural, o rural no urbano, o folclore no popular e o popular no massivo.
*A identidade latino-americana constitui-se resultante do convívio de tradições que ainda permanecem vivas com o processo de modernização. Este convívio de diferentes temporalidades e matrizes culturais permite que se pense em romper com a razão dualista que, de um lado defende o resgate das raízes e do outro acredita que o povo é um obstáculo para o desenvolvimento.
No “mapa noturno”, proposto pelo pesquisador, pode se esclarecer a questão das identidades ao considerar a importância das culturas regionais e locais, mas, sobretudo, da possibilidade dessas identidades serem construídas ou reafirmadas através dos meios de comunicação.
A identidade cultural pode ser vista como a contextualização do homem com seu meio. Ela desempenha a função de interação do sujeito com sua realidade em seu dia-a-dia. Funciona como mediadora dos processos de produção e de apropriação de bens culturais. Aqui, ainda pode-se afirmar que é essa mediação que dá garantia do significado da produção cultural e o sentido do consumo de bens simbólicos. Neste entrelaçar de aspectos é que a identidade cultural ganha relevância.
Em Dos meios às mediações, o pesquisador fala da televisão, inclusive citando o melodrama como um gênero mediador, constituindo-se “um terreno precioso para o estudo da não contemporaneidade e das mestiçagens de que estamos feitos”. (MARTÌN-BARBERO, 2003, p.316). "

Fonte:Texto reproduzido do Portal Unifra

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