JESÚS MARTÍN-BARBERO
Nasceu em Ávila (Espanha, 1937) e vive na Colômbia desde 1963. Estudou filosofia em Lovaina (Bélgica, 1971) e Antropologia e Semiótica na École des Hautes Études (Paris, 1972-1973). Fundou e dirigiu o Departamento de Ciências da Comunicação na Universidade de Valle (Colômbia), sendo professor e investigador desse departamento (1983-1995). Na Universidade ITESO (Guadalajara, México), investiga os novos regimes da oralidade cultural e os aspectos visuais da electrónica. Martín-Barbero tem trabalhado, fundamentalmente, os estudos de ciências sociais e a investigação em comunicação na América Latina. Destacam-se os seguintes contributos: (1) adaptação de sistemas teóricos à realidade sociocultural e política da América latina (e da Colômbia); (2) trabalha temas como a telenovela, enquanto expressão de matrizes históricas e culturais, a cidade e as indústrias culturais; (3) estuda a recepção enquanto domínio das ciências da comunicação. Para ele, a recepção faz-se como reconhecimento e apropriação; (4) centra-se nos processos locais da cultura, funcionando ou não de acordo com o domínio cultural dos meios de comunicação. Existe uma relação entre cultura local e cultura mediática, onde se negoceiam as identidades segundo os contextos culturais. A cultura popular é autónoma e independente da cultura de massa, com valor próprio nas identidades culturais latino-americanas. Publicou, entre outros, os livros: Comunicación masiva: discurso y poder, Quito: Epoca, em 1978; Communication, Culture and Hegemony, Londres: Sage, em 1993; Dos meios às mediações, Rio de Janeiro: UFRJ, em 1997; e Los ejercicios del ver. Hegemonía audiovisual y ficción televisiva (com Germán Rey), Barcelona: Gedisa, em 2000. No texto em análise, Dos meios às mediações, Martín-Barbero parte da análise de autores da escola de Frankfurt (Adorno e Horkheimer) sobre os efeitos “dos processos de legitimação e lugar de manifestação da cultura em que a lógica da mercadoria se realiza” (p. 63) e faz o encontro posterior com os trabalhos de Benjamin, atravessando o conceito de indústria cultural. Para a construção do conceito de indústria cultural, Martin-Barbero elenca os seguintes elementos: 1) Unidade do sistema (que regula a dispersão, com a introdução da produção em série na cultura, p. 65); 2) Degradação da cultura em indústria de diversão; 3) Dessublimação da arte (“a indústria cultural banaliza a vida quotidiana e positiviza a arte”, p. 67). Martín-Barbero chama a atenção para o estranhamento e o aristocratismo cultural de Adorno, “que se nega a aceitar a existência de uma pluralidade de experiências estéticas” (p. 70), casos do jazz e da arte popular. E indica o modo como Benjamin terá sido discriminado por Adorno e Horkheimer. Benjamin, ao invés, não “investiga a partir de um lugar fixo, pois torna a realidade como algo descontínuo” (p. 72), e trabalha áreas e assuntos como Baudelaire, as artes menores, a fotografia. Dois temas serão condutores para ler Benjamin – as novas técnicas e a cidade moderna –, projectos que o próprio Martín-Barbero também abraça. Um dos temas mais populares de Benjamin é o de A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica, que traz consigo o conceito perdido de aura (da obra única e quase acessível, hoje reprodutível pelas técnicas). Isto é, aquilo que, para Adorno, se tornava o máximo de degradação cultural (o jazz, o cinema), constitui um novo modo de recepção cultural (p. 76). Martín-Barbero, no seu rastreio filosófico, chega a Edgar Morin e à sua ideia de indústria cultural, que não é a racionalidade que enforma a cultura, mas “o modelo peculiar em que se organizam os novos processos de produção cultural” (p. 81). A divisão de trabalho e a mediação tecnológica no cinema são compatíveis com a criação artística. Em Martín-Barbero, o mediador assume um papel fundamental: pessoa que habita ou visita um bairro da cidade, permite um fluxo permanente de sentidos, com novas experiências culturais e estéticas. A mediação é a articulação “entre os processos de produção dos media e as suas rotinas de utilização no contexto familiar, comunitário e nacional” (Ferin, 2002: 145). Aqui, o discurso narrativo dos media adapta-se à tradição narrativa popular; por isso, a importância de estudar as telenovelas enquanto formato televisivo contemporâneo.
Leituras: Isabel Ferin (2002). Comunicação e culturas do quotidiano. Lisboa: Quimera Jesús
No livro por si organizado, MacKay (1997: 1) apresenta-nos um modelo de consumo cultural, integrado num circuito cultural (du Gay et al., 1997). Esse modelo aplica-se às práticas da vida quotidiana, onde se identifica a variedade de locais que se podem explorar enquanto processos culturais. Os elementos do circuito cultural são cinco: consumo, produção, regulação, identidade e representação. Representação e identidade (constituída a partir daquela) são entidades que se sobrepõem e interligam de modo complexo e contingente (du Gay, 1997: 4). No caso do walkman, estudado por du Gay e colegas, a representação reside na linguagem oral e visual, no seu discurso. Representações específicas são os anúncios (textos e imagens). Estes discursos ou representação criam, em certos públicos, uma identidade. Considera-se o consumo cultural enquanto momento crucial do circuito cultural. Claro que a noção de circuito não quer dizer que o consumo ou outro momento do circuito seja determinado pela produção ou base económica. Os estudos culturais reflectem a interrelação entre os vários momentos, os processos de influência ou retroacção pelos quais os vários componentes ou estádios do circuito estão ligados. Destaca-se um consumidor activo e implicado, ao lado de práticas locais. Consumo significa uso, destruição, gasto ou valor consumido. O seu uso aumentou no séc. XX com o advento do consumo de massa e como esforço para gerar e manipular mercados, com o desenvolvimento da publicidade e do marketing. Hoje, o uso diário da palavra consumo quer dizer uso, uma perspectiva dada pelo movimento de consumidores. A investigação empírica e qualitativa da apropriação diária dos artefactos culturais foi o foco dos prazeres do consumo (MacKay, 1997: 5). A teoria emergiu em especial no Centre for Contemporary Cultural Studies, de Birmingham. Os investigadores da apropriação cultural concluíram que a realidade da cultura de massa é mais criativa que o sugerido pelos críticos da cultura de massa. Os consumidores, nomeadamente os jovens, são activos, criativos e críticos na sua apropriação e transformação de artefactos materiais, em vez de passivos e manipuláveis. Num processo de bricolage, eles apropriam, reacentuam, rearticulam ou transcodificam o material da cultura de massa para os seus próprios fins, através de práticas criativas e simbólicas da vida quotidiana (caso dos estudos de du Gay e colegas, Silverstone e colegas, e David Morley). Estes processos de apropriação constroem novas identidades. Origem da escola dos cultural studies Mas o que são os cultural studies? Trata-se de uma escola que emergiu no final dos anos 50, em Inglaterra, nos trabalhos de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward Thompson. Um aspecto chave foi a transposição das coordenadas estéticas e éticas, associadas à crítica literária, para a prática das culturas vivas ou populares (Schwarz, 2000: 47). Em 1957, Hoggart, professor de literatura inglesa moderna, publicava The uses of literacy (em português, com o título de As utilizações da cultura, editado pela Presença), onde descreve as mudanças dos modos de vida e práticas da classe operária (trabalho, família, lazer). O livro saía no ano da inauguração da televisão comercial, representando uma crítica poderosa à cultura comercial. Em 1958, Raymond Williams, professor numa instituição de formação para trabalhadores, publica Culture and society (1780-1950), onde ressalta a dissociação existente entre cultura e sociedade. Uma das definições modernas de cultura pertence a este autor. Em 1964, arrancava o Centre for Contemporary Cultural Studies, de Birmingham, o centro universitário por excelência dos estudos culturais. Por essa altura, e noutros contextos culturais, Andy Wharol inaugurava uma nova vanguarda em Manhattan e Susan Sontag lançava um livro (Notes on camp). Estudo da recepção O artigo de Stuart Hall Encoding/decoding, redigido em 1973, perspectiva o processo de comunicação televisiva segundo quatro momentos distintos – produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução que tem as suas modalidades e formas e condições de existência, articuladas entre si e determinadas por relações institucionais de poder (Mattelart e Mattelart, 1997: 91). A audiência é, em simultâneo, receptor e fonte da mensagem, porque os esquemas de produção correspondem às imagens que a televisão faz da audiência, assim como os códigos profissionais. Do lado da audiência, Hall define três tipos de descodificação – dominante, oposicional e negociada. O primeiro corresponde aos pontos de vista hegemónicos que surgem como naturais, legítimos, inevitáveis; o segundo interpreta a mensagem a partir de outro quadro de referência, de uma visão contrária do mundo. O código negociado é uma mistura de elementos de oposição e adaptação, um misto de lógicas contraditórias. Também o lar foi alvo de uma forte linha de investigação dentro dos estudos culturais. O lar apresenta-se como unidade social, cultural e doméstica, tomando parte activa no consumo de objectos e significados dos membros que constituem os membros da família e unidade económica complexa em si, naquilo a que Silverstone, Hirsch e Morley (1996: 43) chamaram economia moral do lar. Instituição que produz bens e serviços de valor económico tangível do mesmo modo que uma empresa, a economia moral inclui as actividades dos seus membros, no lar e no mundo do trabalho, nos momentos de lazer e nas compras feitas individualmente, seguindo um calendário próprio de consumo. Nota-se, porém, uma diferença fundamental: enquanto o produtor trabalha para a família, o consumidor produz dentro da família (Wheelock, 1996: 150). Na América latina, os estudos culturais assentam nas práticas quotidianas em torno das indústrias culturais e da utilização dos media (Ferin, 2003: 146). Isabel Ferin concede destaque especial a dois autores: Jesús Martin-Barbero (estudado em aula) e Nestor Garcia Canclini. Leituras: Du Gay, Paul, Stuart Hall, Linda Janes, Hugh MacKay e Keith Negus (1997). Doing cultural studies. The story of the Sony walkman. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage Ferin, Isabel (2003). “Dos efeitos à recepção: algumas pistas de leitura”. Media & Jornalismo, 2: 143-151 Hall, Stuart (2000). “O legado teórico dos cultural studies?”. In Bragança de Miranda e Prado Coelho, Tendências da cultura contemporânea. Revista de Comunicação e Linguagens, 28: 65-81 MacKay, Hugh (org.) (1997). Consumption and everyday life. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage Mattelart, Armand, e Érik Neveu (1996). “Cultural studies’ stories – la domestication d’une pensée sauvage?”. Réseaux, 80: 11-58 Mattelart, Armand, e Michèle Mattelart (1997). História das teorias da comunicação. Porto: Campo das Letras Santos, Rogério (1998). Os novos media e o espaço público. Lisboa: Gradiva Santos, Rogério (2000). “Indústria cultural, tecnologias e consumos”. In Carlos Leone (org.) Rumo ao cibermundo?. Celta, Oeiras Schwarz, Bill (2000). “Onde estão os cultural studies?”. In Bragança de Miranda e Prado Coelho, Tendências da cultura contemporânea. Revista de Comunicação e Linguagens, 28: 43-64 Silverstone, Roger, e Eric Hirsch (eds.) (1996). Los effectos de la nueva comunicación. Barcelona: Bosch Silverstone, Roger, Eric Hirsch e David Morley (1996). “Tecnologías de la información y de la comunicación y la economía moral de la familia”. In Roger Silverstone e Eric Hirsch (eds.) Los effectos de la nueva comunicación. Barcelona: Bosch Whellock, Jane (1996). “Ordenadores personales, género y un modelo institucional para el ámbito doméstico”. In Roger Silverstone e Erich Hirsch (eds.) Los effectos de la nueva comunicación. Barcelona: Bosch
Fonte:Texto reproduzido do Blog Teorias da Comunicação e Indústrias Culturais
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